quinta-feira, 24 de novembro de 2016

A força do coletivo

Pode passar o tempo que for, mas o ditado que reza que “a união faz a força” permanece atual e verdadeiro. Como ser social, o humano precisa manter em mente que o sentimento coletivo tem de prevalecer sobre o individual. Se cada um continuar olhando só para o próprio umbigo, nenhuma evolução se processará e as melhorias sociais ficarão cada vez mais distantes. O senso coletivo dá lastro à vida em sociedade. Praticá-lo não significa pasteurização. Ao contrário, é da diversidade que brotam as melhores soluções. Quando se trabalha em conjunto, focando a coletividade, se aprende a respeitar as manifestações diversas e a pluralidade enriquece o conjunto da obra, qualquer que seja ela. 

A sociedade é o retrato vivo de qualquer país. Enquanto adolescente, ainda no ginásio (atual ciclo II do ensino fundamental), aprendi que a palavra vem do latim “societas”. Quer dizer uma associação amistosa com os outros. Está implícito o conceito de que os integrantes dela compartilham interesses ou preocupações mútuas em relação a temas em comum. É o coletivo de cidadãos que, por meio de poderes constituídos, objetivam o bem-estar cívico ou o bem comum. 

"Se os bandidos se juntam para instituir e disseminar o crime
organizado, a sociedade precisa se armar da mesma forma,
depositando esforços e conhecimento num trabalho integrado"
Falar ou escrever é bem bonito. Praticar é que são elas. Nem na maioria das famílias, o companheirismo, a solidariedade e a compreensão são manifestações unânimes entre os membros. Sempre tem um ou uns espaçosos que se guiam por outro ditado: “Venha a nós; ao vosso reino, nada”. Nos meios governamentais, a coisa é ainda mais complicada. Salvo raríssimas exceções, no Brasil, o desempenho coletivo dos diferentes agentes públicos é artigo de luxo. Como consequência, a máquina pública é pesada, demorada e burocrática, sem resultados factíveis e ágeis em benefício do povo. 

Quando se trata dos três poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário, o problema é infinitamente maior. Apesar de a Constituição prever poderes independentes, mas, “harmônicos”, o coletivo inexiste. Portanto, as boas parcerias costumam não se consolidar, em prejuízo geral das medidas benéficas que poderiam produzir. Felizmente, há exceções que precisam ser reconhecidas. E festejadas. É o caso do projeto de Lei do Plano Municipal de Segurança de Mogi das Cruzes, enviado pela Prefeitura à Câmara Municipal, que deve ser aprovado ainda neste ano. Virando lei, deixa de depender de quem ocupa os cargos de comando. Torna-se política pública para nortear as ações das futuras administrações municipais.

O projeto materializa o significado de trabalho coletivo que visa o bem comum. Diga-se de passagem, numa das áreas de maior demanda dos poderes constituídos, que é a segurança da população e dos bens patrimoniais públicos e privados. É fruto de uma longa jornada de muito fôlego e plena dedicação, empreendida pelas autoridades estaduais e municipais, com o fundamental carimbo do coletivo. 

A importância da inédita ação coletiva foi sintetizada nas oportunas e sábias palavras do subprocurador geral de Justiça de Políticas Criminais e Institucionais do Estado, Mario Luiz Sarrubbo. Segundo ele, a organização e participação de toda a sociedade em um trabalho conjunto é o melhor caminho para prevenir e combater a criminalidade. O programa de integração entre as polícias Civil e Militar, o Ministério Público (MP) Estadual e a Prefeitura Municipal de Mogi das Cruzes, que gerou o Plano Municipal de Segurança, será modelo para outros municípios paulistas.

Se os bandidos se juntam para instituir e disseminar o crime organizado, a sociedade precisa se armar da mesma forma. Ou seja, se unir depositando todos os esforços e conhecimento num trabalho integrado entre a Prefeitura, o MP, as polícias e a comunidade para frear as organizações criminosas. Atuando cada um em seu quadrado, as informações são isoladas e de domínio exclusivo de cada ente. Todo mundo faz o que pode, mas não compartilha, não soma. E, sem o intercâmbio, morre na praia. O plano proposto muda tudo. Estabelece que as ações sejam conjugadas. A própria matemática responde: a soma de dados positivos aumenta o resultado final. 

O Plano Municipal de Segurança Pública tem quatro partes. A primeira apresenta os órgãos que participam do Sistema de Segurança Pública e indica a responsabilidade de cada um. Em seguida, vêm os princípios, compromissos assumidos e metas de cada um dos órgãos participantes. Por fim, há o detalhamento da atuação das entidades envolvidas e a conclusão. O documento também traz os endereços e telefones das estruturas de segurança pública existentes na Cidade. 

O plano representa a etapa mais recente de um trabalho proveniente de ação integrada. Além do Conselho Municipal de Segurança da Cidade, já em funcionamento, está em análise na Câmara o Fundo Municipal de Segurança. Registro aqui importantes contribuições feitas pelo meu filho, vereador Juliano Abe (PSD) – também vice-prefeito eleito –, para aprimorar o documento. Em seu parecer na Comissão de Justiça e Redação, ele faz uma emenda modificativa ao texto para sugerir o acréscimo das palavras “uniformes”, “viaturas” e “sistema de comunicação”. O material original só previa aquisição de equipamentos em geral para as forças da segurança pública, incluindo a Guarda Municipal. O objetivo é que as compras não ocorram de maneira genérica. 

Outra intervenção de Juliano permite ao fundo arcar com eventuais gastos de aquisição, construção, reforma ou ampliação de imóveis destinados ao uso de forças de segurança pública. Há ainda emenda aditiva para prever a entrada de outras receitas como, por exemplo, de recursos financeiros de multas pecuniárias decorrentes de infrações administrativas.

A terceira emenda aditiva de Juliano inclui a previsão de eventuais recursos provenientes de medidas de mitigação ou compensação, originados de processos de aprovação de empreendimentos sujeitos à apresentação de Estudo de Impacto de Vizinhança. Como se vê, a atuação conjunta só enriquece o resultado final. 

Enquanto cidadão e, principalmente, como gestor público sei o quanto é importante o trabalho coletivo. Parabenizo todos que pensam e agem assim, invocando sempre a imprescindível participação popular. Trago do berço, das escolas, das associações, cooperativas, sindicatos e da minha própria história de vida, a lição de que nossa existência em sociedade vale a pena à medida em que lutamos para priorizar e fazer prevalecer os sentimentos de companheirismo, solidariedade e coletividade. Sou entusiasta e contumaz defensor do coletivo. Tenho plena convicção de que este é o principal instrumento para a construção de uma sociedade mais justa, igualitária e fraterna.

Junji Abe é líder rural, foi deputado federal pelo PSD-SP (fev/2011-jan/2015) e prefeito de Mogi das Cruzes (2001-2008)

quinta-feira, 17 de novembro de 2016

Tite, Temer e o Brasil

Nem todos gostam de esportes. E é muito legal que seja assim, porque a diversidade é obra divina. Mesmo no futebol, as reações dos torcedores vão de indiferentes, discretas, moderadas e fanáticas até radicais, impulsionadas pela paixão. Assim agem as torcidas de corinthianos, sãopaulinos, palmeirenses, santistas, flamenguistas, vascaínos, gremistas, colorados, cearenses, galistas, cruzeirenses e baianos, entre centenas de times gloriosos de norte a sul do Brasil. Quando se trata de seleção brasileira, mesmo as pessoas sem afinidade, costumam torcer, contagiadas pelo amor à Pátria.
Somos um país com fonte inigualável de atletas que nascem predestinados ao sucesso. Como esquecer os saudosos Leônidas, Zizinho, Baltazar, Julinho, Oberdan, Nilton Santos, Sócrates e Carlos Alberto (Capita), entre outros? Há também os admiráveis Bellini, Zito, Gerson, Zico, Jairzinho, Ronaldo, Ronaldinho, Kaká e o monstro sagrado Pelé que simboliza a riqueza futebolística brasileira. Faz sentido sermos pentacampeões do mundo e continuarmos essa vitoriosa caminhada. Temos o principal produto, a riqueza inesgotável de jogadores que só precisam de aprimoramento e comando. Porém, ciclicamente, entramos em parafuso. A última conquista, o penta, se deu em 2002. De lá para cá, só decepções até chegar ao ápice de sermos desclassificados na Copa do Mundo de 2014, em pleno Estádio do Maracanã, na nossa casa. E pior, humilhados com uma derrota fragorosa de 7 a 1 para Alemanha. É uma ferida que cicatrizará, mas jamais será esquecida.  
Creio mesmo que Deus seja brasileiro. Somos uma potência incomparável em dimensão territorial, clima, recursos hídricos, minerais, vegetais e animais. Estamos livres de terremotos, maremotos, tsunamis, tufões e vulcões. Há gente ordeira, fraterna e obreira que superou inimagináveis dificuldades da era escravagista. E, orgulhosamente, constituiu uma sociedade multirracial e multicultural. Apesar da desigualdade social, isso é maravilhoso! Ocorre que vivemos o mesmo parafuso enfrentado pela seleção canarinho de futebol. A crise econômica já resulta em 12 milhões de desempregados, associada a um mar de corrupção sem precedentes.
A história nos ensina que, enquanto sociedade, vivemos tempos de prosperidade e de colapso em todos os setores. Seja no futebol, seja na Nação. Porém, dadas as potencialidades nacionais, as crises deveriam ser breves e suaves. Jamais, duradouras e dramáticas. Cristalinamente, nos dois casos, as crises originam-se da péssima gestão: sem renovação, ineficiente, irresponsável, insensível, manipulada, antiética e imoral, somente visando os interesses individuais, grupais, políticos, partidários e ainda, por incrível que pareça, com grande dose de vaidade e populismo. Em grande parte, o problema se agiganta pela ausência do povo no acompanhamento da gestão.
Infelizmente, no Brasil, a mudança para superar crises só começa em última instância, diante da absoluta necessidade, que leva o povo às ruas. Mas, segundo os ditados, “antes tarde do que nunca” e “água mole em pedra dura tanto bate até que fura”, estamos no limiar de transformações extremamente reais e positivas.
Vejamos o futebol. Há cartolas corruptos presos ou prestes a ajustar contas com a Justiça, como o ex-presidente e atual comandante da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), José Maria Marin (ex-governador paulista), e Marco Polo Del Nero. Após a desastrosa era Felipão e o ineficiente comando técnico de Dunga, com a seleção ameaçada de exclusão da Copa 2018, na Rússia, eis que, finalmente, vem a luz: Adenor Leonardo Bacchia, o conhecidíssimo Tite, chega para dirigir a seleção.
Líder carismático, determinado, dedicado, humilde e profundo conhecedor do assunto, Tite revoluciona a imagem e o rumo do futebol nacional. Emérito esportista, professor de educação física, transformou-se com justiça em unanimidade nacional. Desde que assumiu, em 20 de junho último, foram seis jogos e seis vitórias. O Brasil saiu da lanterna e foi para o 1º lugar. Faltando ainda quatro jogos, só precisa de um empate para a classificação na Copa do Mundo 2018.
Esse gaúcho de 55 anos, nascido em Caxias do Sul, ralou muito para chegar à posição de técnico vencedor. Lutou, trabalhou, estudou e continua, conforme suas palavras, aprendendo e aprimorando a difícil atividade de técnico de futebol. Além de extraordinário conhecimento técnico, determinação e humildade, Tite domina a tarefa mais complexa que é o relacionamento humano. Sincero e transparente, sabe se colocar diante dos cartolas e, principalmente, junto aos jogadores. Conduz o processo com maestria. É sensível à diversidade e individualidade de cada ser humano. Motiva a equipe para ser a representante máxima da população e da Pátria, por meio do futebol.
"Não à toa, o povo diz que 'o campeão voltou' e,
como nunca, ovaciona: 'Tite, Tite, Tite!'"
Embora tenhamos gênios da bola, como o excepcional Neymar, Tite constrói uma seleção não dependente de um guerreiro.  Aplica o simples “Um por todos e todos por um”, cultivando verdadeiros mosqueteiros que primam pelo jogo coletivo e solidário em todos os sentidos. O técnico enaltece o desempenho e a importância de cada membro da sua comissão técnica. Sem vaidade, com sincera e espontânea demonstração de senso coletivo, divide os louros das vitórias. Essa tem sido sua postura nas seis incontestáveis vitórias. Resgatou a alegria, a paixão, o amor e orgulho de sermos novamente os magos da bola. Não à toa, o povo diz que “o campeão voltou” e, como nunca, ovaciona: “Tite, Tite, Tite!”
Guardadas as proporções, pode-se comparar a situação do quadro futebolístico com os campos público e privado da Nação. Embora tênue, vislumbra-se uma luz no fundo do túnel.  Com a Operação Lava Jato, dezenas de governantes, políticos, empresários e doleiros são presos. Entre outros, José Dirceu, Eduardo Cunha, Garotinho, Sergio Cabral, Marcelo Odebrecht e Léo Pinheiro. Numa ação destemida do juiz federal Sérgio Moro e apoio total do Ministério Público Federal e da Polícia Federal efetiva-se uma limpeza das atividades ilegais. As pedaladas fiscais levam ao impeachment da presidente Dilma Rousseff e a consequente posse de Michel Temer. Apesar de incontáveis dificuldades advindas do carcomido e arcaico sistema político-partidário e administrativo, ele trabalha pela superação da grave crise.

É profundamente difícil o momento em que vivemos. Mas, creio que com  compreensão, solidariedade, união e efetiva participação do povo, haveremos de resgatar a esperança e o bem-estar a que temos direito. Oremos para que personalidades responsáveis e eficientes, como o nosso Tite, sejam implacáveis na aplicação de políticas públicas pautadas pela austeridade, responsabilidade, civismo e amor ao Brasil e a nossa gente. Que trabalhem intensamente para recolocar o País nos eixos da prosperidade. Sem vaidades nem idolatria. Apenas com competência, sensibilidade e dedicação. Assim, quem sabe, como no futebol, voltemos a ovacionar não alguém, mas o nosso Brasil.
Junji Abe é líder rural, foi deputado federal pelo PSD-SP (fev/2011-jan/2015) e prefeito de Mogi das Cruzes (2001-2008)
                  
Crédito da foto: Jovino Souza 

quinta-feira, 10 de novembro de 2016

Essência humana

É verdade que ainda falta muito para garantir políticas públicas direcionadas ao tratamento digno dos animais. Porém, quando vejo as ações desenvolvidas em Mogi das Cruzes, não posso me furtar da ponta de orgulho que sinto dos avanços já consolidados. Lembro-me do ano de 2000. Com a ajuda da população, preparávamos o PGP (Plano de Governo Participativo). Muitas propostas focavam a implantação de um local apropriado para atendimento e acolhida de cães e gatos abandonados nas ruas. Elencamos o projeto na lista de compromissos a serem honrados. 

Quando chegamos à Prefeitura, veio o horror que me arrepia até hoje. Sabíamos que os animais recolhidos eram levados para o tal do “barracão” – um depósito de materiais da Prefeitura. Entretanto, a realidade era bem pior. Não bastassem as instalações absurdamente precárias, com cercados minúsculos improvisados para aprisionar os peludos, não havia pessoal especializado. Ou seja, nem um único médico veterinário no quadro funcional da Municipalidade. O que era feito, então? Não era. Os bichinhos apreendidos eram mandados para laboratórios de pesquisas. Viravam cobaias. Isso mesmo. Eram tirados das ruas para serem torturados em testes dos mais diversos.

Desde criança sempre fui muito afeiçoado aos animais. Saber da barbaridade que se passava a alguns metros do prédio-sede da Prefeitura me arrasou. Interrompi as remessas para laboratórios, contratei veterinários e comecei a cruzada para viabilizar a implantação de um Centro de Controle de Zoonoses (CCZ). Naquela época, tudo era mais difícil porque ainda não havia o poder das redes sociais e a sociedade levaria alguns anos mais para se manifestar com vigor contra os maus-tratos aos animais. 

Conseguimos incorporar ao patrimônio público a área e as edificações de um desativado centro de pesquisas avançadas de cogumelos comestíveis, localizadas em César de Souza. Assim, começaram as adequações para o que seria o CCZ de Mogi. Em 2006, inauguramos o espaço, dotado de tecnologia de ponta e classificado como um dos mais modernos do País. A estrutura possibilitou, por exemplo, a inédita campanha de esterilização gratuita de cães e gatos e a vacinação antirrábica em massa, além de ações de conscientização para a posse responsável. Tudo, sob a supervisão de veterinários da Prefeitura. 

Não bastasse, a equipe do CCZ atua no controle de zoonoses para evitar a disseminação de doenças que ainda causam a morte de seres humanos, como raiva, febre maculosa, hantavirose e leptospirose. Também desenvolve ações de controle de vetores (Aedes aegypti, culicídeos e carrapatos), promove o combate a animais sinantrópicos (baratas, ratos e pombos) e aos peçonhentos (escorpiões, aranhas, cobras, abelhas e vespas, entre outros).

Nosso sucessor, Marco Bertaiolli, deu continuidade ao processo de alavancar o atendimento aos animais. Uma das iniciativas bem-sucedidas é o Petmóvel (Unidade Móvel de Educação e Esterilização), que leva aos bairros o serviço de castração de cães e gatos. O Centro de Bem-Estar Animal, inaugurado em setembro, coloca Mogi das Cruzes no rol dos raros municípios brasileiros dotados de um hospital veterinário gratuito. 

Administrado pela Associação das Clínicas Veterinárias de Pequenos Animais (Anclivepa) e localizado ao lado do CCZ, a unidade oferece procedimentos como a castração, pequenas cirurgias e consultas veterinárias. Atende preferencialmente as famílias desprovidas de recursos para cuidar dos animais de estimação. E apenas moradores de Mogi das Cruzes, que precisam comprovar residência no Município. A expectativa é que também ajude a elevar os índices de castração animal, alternativa encontrada para controlar a população de cães e gatos abandonadas após o nascimento. ONGs estimam que haja 25 mil bichinhos perambulando pelas ruas. 
"É possível sair do zero e progredir em prol da causa animal.
Basta vontade política, com a imprescindível participação popular"

Como se vê, é possível sair do zero e progredir com medidas concretas em prol da causa animal. Basta vontade política, com a imprescindível participação popular. Contudo, a existência de equipamentos como CCZ, Petmóvel e Centro de Bem-Estar Animal não elimina a necessidade de a população agir, com consciência e responsabilidade, na relação com os animais domésticos. Adotá-los significa inseri-los em sua família. Isso exige alimentação, vacinas, cuidados e amor. Castrar também é um ato de amor, porque reduz a incidência de câncer. Lembre-se ainda de que, por mais monstruoso que seja, há gente abandonando ninhadas de filhotes no lixo. Ou largando os peludos idosos em rodovias. Nunca é demais lembrar que temos a grande oportunidade de colaborar para resgatar valores perdidos em meio à violência cotidiana. E, principalmente, de preservar a essência humana, em nós mesmos e nas gerações futuras. 

Junji Abe é líder rural, foi deputado federal pelo PSD-SP (fev/2011-jan/2015) e prefeito de Mogi das Cruzes (2001-2008)

quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Talentos latentes

Nada menos que um século é o tempo que o Brasil levará para equiparar a condição salarial de homens e mulheres, se perdurar a inércia na adoção de medidas direcionadas à reversão do tenebroso quadro atual. O País exibe uma das maiores diferenças de remuneração entre gêneros do planeta. A projeção consta do Relatório de Desigualdade Global de Gênero 2016 do Fórum Econômico Mundial, publicado em outubro, na cidade de Genebra, na Suíça. 

"País está pior que nações internacionalmente repudiadas por violações
aos direitos das mulheres, como Irã, Iêmen e Arábia Saudita"
Dos 144 países avaliados, o Brasil fica com a penosa 129ª posição quando analisado somente no quesito de igualdade de salários entre gêneros. Significa que o País está pior que nações internacionalmente repudiadas por violações aos direitos das mulheres, como Irã, Iêmen e Arábia Saudita. Isso gera a estimativa de 95 anos para equiparar as condições econômicas de homens e mulheres, se o atual ritmo de progresso for mantido.

No panorama geral, incluindo política, educação e outros aspectos sociais, quebrar a diferença entre gêneros é uma missão para 104 anos. Apesar do ritmo de avanço ser considerado lento demais, nosso consolo é que a taxa brasileira ainda é melhor que a média mundial, estimada em 170 anos. 

Em que pese a desastrosa gestão de Dilma Rousseff, pelo fato de uma mulher ter sido presidente da República, o Brasil subiu no ranking geral, do 85º lugar para a 79ª posição. Porém, a classificação ainda é pior do que há 10 anos, quando o País ocupava a 67ª posição. Atualmente, a Nação está atrás de 17 países latino-americanos. De acordo com o levantamento, as sociedades mais igualitárias são as escandinavas. Levando em conta todos os aspectos econômicos, políticos, de saúde e de educação, o 1º lugar é da Islândia, seguida por Finlândia, Noruega e Suécia.

O Índice Global de Desigualdade de Gênero avalia desde 2006 o progresso das nações na promoção de equilíbrio entre homens e mulheres. Na elaboração do ranking, são consideradas estatísticas que avaliam as condições enfrentadas pela população feminina nas áreas de educação, saúde, paridade econômica e participação política.

As brasileiras estão bem situadas em relação ao público masculino nos dois primeiros quesitos – educação e saúde. Para cada estudante homem do ensino superior brasileiro, elas ocupam 1,3 vaga. Na saúde, as brasileiras também têm melhores indicadores: vivem em média cinco anos a mais que os brasileiros. A expectativa de vida feminina é de 68 anos, contra os 63 anos da população masculina.

Porém, a disparidade econômica entre homens e mulheres é um dos fatores que mais impede o avanço nacional no ranking. Nesse aspecto, o Brasil ocupa a modesta 91ª posição entre 144 países e é fragorosamente superado por China, Camboja, Chade e até o Paraguai, entre outros.

Em sã consciência, não dá para entender por que duas pessoas que têm a mesma formação, ocupam igual função e desenvolvem atividades idênticas recebem salários tão diferentes, exclusivamente por causa do gênero. Fato é que o degrau salarial entre homens e mulheres em cargos executivos no Brasil supera 50%, uma realidade nacional só detectada em outros cinco países do mundo. O salário médio de uma brasileira com nível superior equivale a 62% da renda mensal de homens com a mesma escolaridade.

Para completar, a presença de brasileiras no mercado de trabalho é menor. Corresponde a 62%, enquanto a dos homens atinge 83%. Por esse critério, o Brasil fica na 87ª posição mundial. A renda média das brasileiras é de 11,6 mil dólares por ano, pouco mais da metade daquela obtida pelos homens, que é de 20 mil dólares.

Na política, a representatividade feminina é ínfima, apesar de existirem dispositivos legais para garantir a participação das mulheres nos embates eleitorais. O Congresso Nacional ocupa o 120º lugar entre os países com melhor representação feminina. A falta de lideranças femininas nos altos escalões do poder se reflete também na composição ministerial do atual governo de Michel Temer.

Especialistas apontam que a reversão da disparidade econômica abissal entre homens e mulheres no Brasil passa pela adoção de estratégias pragmáticas que promovam a inclusão das mulheres no mercado de trabalho bem remunerado e na política. Já existem mais mulheres do que homens se graduando nas universidades. Não é preciso ser estudioso da matéria para concluir que discriminá-las é um desperdício brutal de talento. E prejuízo direto para a Nação. 

A efetiva inclusão das mulheres no mercado de trabalho, com remuneração compatível com sua formação, passa também pela oferta de educação infantil de qualidade e em número suficiente. Como a mãe vai trabalhar se não consegue vaga em creche para o filho? Nas camadas mais altas, ela paga uma babá. Mas, e nas de menor renda? O poder público precisa oferecer o serviço. Em Mogi das Cruzes, o atendimento em creches já supera mais da metade da população infantil com até 3 anos. Porém, no País, o benefício não chega a 30% da demanda.

Ao mesmo tempo, é vital combater a cultura machista. Lugar de mulher é onde ela quiser. Quem tem filhos pequenos, precisa ensinar já que meninos e meninas têm de ajudar em casa. Não tem essa de que tal coisa é tarefa de mulher. Assim, ajudamos a formar homens melhores que respeitem a diversidade e contribuam com uma sociedade menos desigual. 

Comparando o cenário atual com décadas atrás, é possível notar que a sociedade brasileira vem reduzindo a disparidade entre homens e mulheres. A paridade de gêneros é o caminho natural da evolução. O que precisamos fazer é acelerar esse processo. 

Entendo que a educação e a religiosidade – qualquer que seja o credo – são fundamentais na construção da ponte no abismo das diferenças. Contudo, vale admitir que os avanços conquistados até hoje são resultado da persistência e do próprio trabalho incessante das mulheres brasileiras. São elas as grandes agentes da transformação para o bem. Só confirmam o que já disse sobre a necessidade de combater o desperdício de talentos tão latentes na população feminina.

Junji Abe é líder rural, foi deputado federal pelo PSD-SP (fev/2011-jan/2015) e prefeito de Mogi das Cruzes (2001-2008)