quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Crime abominável

Sou do tipo que condena toda e qualquer forma de violência contra quem quer que seja, humano ou não. Existe uma, contudo, que me arrepia a alma: o estupro. Enquanto escrevi duas linhas, pelo menos uma mulher sofreu o abuso no Brasil. Calcula-se que haja uma vítima por minuto. Embora os dados oficiais apontem para um ataque sexual a cada 11 minutos, a estimativa leva em conta o fato de que o número de notificações é cerca de dez vezes menor que o real. 

Muito mais importante que os números é a agressão em si. O corpo é um templo e sua violação desfere golpe mortal contra qualquer mente sã. Ainda que sobreviva ao ataque, a vítima carrega sequelas irremovíveis até a morte. O que dizer, então, dos inúmeros casos em que o algoz vive dentro de casa e os abusos se repetem dia após dia? 

Faltam-me palavras para expressar o tamanho asco e o inominável horror que tenho de estuprador. Não me interessa se é menor de idade, se sofreu abuso na infância, se praticou o crime sob efeito de drogas, se sofre de distúrbio mental, se é flagelado do desemprego, se está revoltado com a vida, se qualquer coisa, estuprador é estuprador. Ponto. 

O pessoal dos direitos humanos, que defende estuprador sob os mais diferentes (e esdrúxulos) argumentos, pode me crucificar. Não estou nem aí. Defendo o direito da mulher de não ser violada. E o dever do poder público de punir o criminoso com máxima agilidade e pleno rigor. Sem atenuantes nem benevolências. 

Tão grave quanto a impunidade de estupradores é a cultura do estupro. Sinto que voltamos à Idade Média quando leio comentários de que determinada vítima sofreu violência sexual porque usava roupas curtas, decotadas, coladas à silhueta. Ou porque frequentava locais de baixa reputação. Ou porque estava excessivamente maquiada. Ou ainda porque era extrovertida demais. Façam à sociedade o favor de calar! 

"A mulher usa a roupa que quer, frequenta o lugar que deseja, além
de se expressar da forma que julga melhor. É direito dela.
Isso não é motivo para vagabundo nenhum estuprá-la."
Gente, a mulher usa a roupa e a maquiagem que quer, bem como frequenta o lugar que deseja, além de se expressar da forma que julga melhor. É direito dela. Simples assim. Isso não é inspiração e muito menos motivo para vagabundo nenhum estuprá-la. O crime abominável do estupro não tem justificativa. 

A vítima não pode continuar apontada como responsável pela violência que sofreu. Aliás, o ranço de machismo que insiste em imperar até nos organismos de segurança pública é um dos principais fatores para as subnotificações desse crime. A mulher que sofreu abuso acaba com medo de fazer a denúncia e ser tarjada de culpada. Na minha visão, o agente público que teve tal conduta também precisa ser penalizado com rigor. Se não aprendeu por bem a respeitar as mulheres, que aprenda à força. 

Infelizmente, não há fórmulas de efeito imediato para conter a escalada dos crimes de estupro. Essa impotência aumenta nosso inconformismo. Porém, há medidas que precisam ser implantadas ou intensificadas agora para resultados a médio e longo prazos. É vital combater todas as drogas, inclusive o álcool, porque muitos criminosos se valem até da embriaguez para estuprar. Também defendo o fim da proibição do emprego para menores de 16 anos. O ideal seria a escola de tempo integral no País inteiro. Mas, como essa realidade ainda está longe da maioria dos municípios, torna-se viável que o jovem estude num período e trabalhe no outro para não ficar vadiando na oficina do capeta. 

O campo da segurança pública requer maior preparo e qualificação dos profissionais em todas as unidades. Da mesma forma, é imprescindível ampliar substancialmente o peso das penas para o estuprador, sem a mínima atenuante. E sem aliviar os menores de idade. Ainda que cumpram detenção em instituições específicas para quem tem menos de 18 anos, não podem ficar livres em três anos. Estuprou, responde como gente grande. Sem chorumela.

No ensino, é de extrema importância incluir no currículo, desde a educação infantil, temas que forcem a assimilação do respeito à mulher e do fim da cultura do estupro. Também é preciso motivar as campanhas populares contra crimes sexuais, que ainda são muito tímidas e acabam limitadas ao período pós-divulgação de notícias pavorosas, como os casos de estupro coletivo no Rio e no Piauí. O movimento tem de ser permanente, com a participação de entidades organizadas, como os sindicatos de trabalhadores. Estes têm estrutura para um trabalho desse porte e não podem ficar restritos a questões trabalhistas. A mobilização deve envolver outras organizações, como as patronais e religiosas, além da Imprensa. 

Ao mesmo tempo, é indispensável a educação no lar, com a transmissão permanente de valores morais e éticos, assim como de religiosidade – qualquer que seja o credo. Os pais têm de assumir sua responsabilidade na missão de aniquilar a cultura do estupro. Devem ensinar, desde criança, que o homem só é bom e íntegro quando respeita a mulher. Não podem criar o conceito equivocado de que algumas mulheres merecem apreço e outras agressão ou desprezo. Todo ser vivo tem de ser tratado como você gostaria de ser tratado. Outro ponto importante é enraizar o entendimento de que não é não. Nada de talvez ou quase sim. Se a pessoa disse não, significa não. Chega dessa conversa mole de que “ela queria...” Cultivemos adultos melhores!

Junji Abe é líder rural, foi deputado federal pelo PSD-SP (fev/2011-jan/2015) e prefeito de Mogi das Cruzes (2001-2008)

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Longe da solidão

"Circulou na internet uma foto em que eles apareciam se despedindo,
antes de serem internados em casas de repouso diferentes."
O casal de idosos canadenses Anita e Wolfram Gottschalk emocionou o mundo em setembro. Circulou na internet uma foto em que eles apareciam se despedindo, antes de serem internados em casas de repouso diferentes. A separação forçada ocorria por falta de vagas para os dois numa mesma clínica. Uma intervenção divina mudou o curso da história. “Eles agora podem ficar sob o mesmo teto nos anos que lhes restam e não poderíamos estar mais gratos”, escreveu a neta Ashley Bartyik, ao postar imagens do casal juntinho – e feliz – outra vez, na Morgan Heights, instituição onde Anita já estava abrigada.
"Uma intervenção divina mudou o curso da história."
Recordo-me dos queridos avós e pais que embalaram minha vida com sábios ensinamentos. Tenho a firme convicção de que, além do respeito das pessoas e do amor dos familiares, os idosos prescindem de um componente indispensável: a companhia. Estudos comprovam que pessoas com mais de 80 anos são as mais fragilizadas pela fragmentação familiar. Seja pelo abandono ou pelo excesso de trabalho dos mais jovens, a terceira idade acaba relegada à cruz da solidão e às sequelas terríveis que ela provoca. 

Pensando nessa situação, alguns países implementam com maior vigor medidas voltadas à saúde mental, física e social das pessoas da terceira idade. Uma das maiores conquistas culturais de um povo e prova da sua evolução social é garantir o envelhecimento com qualidade de vida.

Sob essa óptica de prevenção de doenças e interação social, como gestor público, sempre dediquei especial atenção aos dois extremos mais vulneráveis da população: a criança e o idoso. Enquanto prefeito de Mogi das Cruzes, contei com o apoio da Câmara Municipal para implantar políticas públicas municipais pioneiras em prol da terceira idade. Primeiro, instalamos o Conselho Municipal do Idoso e, na sequência, desencadeamos uma bateria de ações, desde programas de medicina preventiva até o Promeg (Programa de Medicamento Gratuito), passando por consultas médicas domiciliares. 

Assim também vieram a Delegacia do Idoso e Centros de Referência e de Convivência para assistência dirigida, além de ampliarmos o repasse de verbas a instituições que atendem esse público. Apoiamos os Jogos da 3ª Idade e incentivamos novas adesões de veteranos. Igualmente, proporcionamos cursos, oficinas culturais nos bairros e núcleos de ginástica especializada, entre outros benefícios, como isenção de IPTU para idosos e aposentados de baixa renda.

No transporte coletivo, implantamos o Cartão Conforto permitindo aos maiores de 60 anos de idade usarem o mesmo acesso que os outros passageiros e terem o direito de sentar-se em qualquer lugar do ônibus. Antes, apesar da gratuidade, tinham de ficar confinados em um pequeno espaço próximo ao motorista. Para facilitar a vida daqueles que dirigem, criamos o Cartão do Idoso, direcionado ao estacionamento preferencial em locais públicos. 

No rol das ações dirigidas à terceira idade, destaco a implantação do inédito Pró-Hiper, focado em cuidar da saúde física e mental, além da sociabilidade, de quem tem mais de 60 anos. Com a presença permanente de equipes de médicos, assistentes sociais e profissionais de educação física, reúne atividades de recreação, sala de ginástica e fisioterapia com modernos equipamentos, piscina aquecida, sauna, vestiário, jardim contemplativo, quiosques, áreas para jogos, dança e música, além de laboratório de informática, dotado de computadores com acesso à internet. 

O laboratório de informática, onde são oferecidas aulas e orientações, visa garantir ao idoso a chance de interagir com novas ferramentas do mundo moderno, estar apto a acompanhar a evolução e não acabar marginalizado. Mogi das Cruzes é um dos raros municípios brasileiros que continua investindo sem parar em políticas públicas diferenciadas para a terceira idade.

Mais tarde, enquanto deputado federal, tive a satisfação de apresentar projetos factíveis em benefício das pessoas da terceira idade. Alguns foram arquivados; outros acabaram apadrinhados por colegas parlamentares, após o término do meu mandato. Como exemplos, cito a proposta (7189/2014) de aumentar, de 3% para pelo menos 5%, a cota de moradias dos programas habitacionais populares, públicos ou subsidiados com recursos públicos, reservada a quem tem mais de 65 anos de idade. Ou outra (5048/2013) que isenta da obrigatoriedade da entrega da declaração anual de Imposto de Renda quem tem mais de 70 anos de idade, sobrevive exclusivamente com proventos da aposentadoria e possui patrimônio inferior ao limite estabelecido pelo Ministério da Fazenda.

Apresentei ainda o projeto (7850/2014) que obriga o poder público a garantir às pessoas com 60 anos de idade ou mais o direito de acesso às universidades abertas. Da mesma forma, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC 330/2013) visava o pagamento de benefício mensal às pessoas idosas ou com deficiência, sem rendimentos de aposentadoria ou pensão nem meios de prover a própria manutenção. Legislação vigente impede o repasse da ajuda financeira, se a renda familiar per capita superar ¼ do salário mínimo. 

Na prática, se o idoso ou o deficiente morar com mais três pessoas que, juntas, ganham R$ 881 por mês, fica impedido de retirar o auxílio financeiro. Motivo: o rendimento per capita da família será 25 centavos acima do limite. Se esse idoso ou deficiente tem direito de receber um salário mínimo (R$ 880, valor atual que já é baixo), por que é obrigado a tentar sobreviver com R$ 220 por mês? Porque inventaram um critério de renda malévolo que sacrifica milhares de idosos e deficientes no Brasil inteiro.

A avassaladora desigualdade social que maltrata a população brasileira exige medidas urgentes – e já tardias – do poder público e pressão contínua da sociedade para garantir os cuidados a que os idosos têm direito. A longevidade é uma realidade nacional: 75,2 anos de idade, sendo 78,8 para mulher e 71,6 para homem. Dados do IBGE (2016) mostram que a população idosa chega a 12,3%, ou seja, 25 milhões de habitantes, com a expectativa de atingir 64 milhões, representando 30% do povo brasileiro em 2050. 

"Cuidar é amar. Não pode faltar-lhe a companhia familiar.
É preciso mantê-lo longe da solidão, porque ela é mortal." 
O mundo tem 7,3 bilhões de habitantes e deverá abrigar 9,6 bilhões em 2050. Destes, 2,06 bilhões serão de pessoas com mais de 60 anos. Hoje, são 900 milhões. Daí o alerta da Organização Mundial da Saúde (OMS) para um trabalho diuturno de qualidade e amplitude voltado à população da terceira idade. Mas, não basta. A presença familiar, com atenção e afeto, é imprescindível. E insubstituível. Cuidar do idoso não significa tolhê-lo de sua individualidade e autonomia nem fazê-lo crer que deixou de ser útil, porque isso seria ferir de morte sua auto-estima. Cuidar é amar. Não pode faltar-lhe a companhia familiar. É preciso mantê-lo longe da solidão, porque ela é mortal. Possamos, nós também, trabalhar por um final feliz dos nossos veteranos, inspirados no casal Anita e Wolfram Gottschalk. 

Junji Abe é líder rural, foi deputado federal pelo PSD-SP (fev/2011-jan/2015) e prefeito de Mogi das Cruzes (2001-2008)

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Imposto mata o Brasil

Como cidadão e, principalmente, como cooperativista, sindicalista e gestor público, sempre tive a preocupação de analisar os impactos da carga tributária brasileira sobre a condição social da população. Desde criança, ouço que o Brasil é o país que cobra o imposto mais caro do mundo. A memória dos tempos de infância me acompanhou enquanto jovem e se transformou numa apreensão diuturna. Cheguei à terceira idade com a triste constatação de que a frase permanece mais atual do que nunca. Mais. As chagas do monstro tributário multiplicam suas mazelas e as vítimas crescem em progressão geométrica. 

O fato de o confisco direto sobre a renda da pessoa física ser menor aqui do que em outras nações não tira do Brasil a tarja de ser o país com o maior número e a maior carga de impostos do planeta. Cada brasileiro tem de trabalhar cerca de cinco meses por ano só para pagar os tributos. Não é moleza. Dados de 2011 demonstram que a carga tributária equivalia a 35,13% do Produto Interno Bruto (PIB). As estatísticas atuais escancaram que, em 2015, o índice atingiu 40% do PIB. E não para de subir, segundo levantamentos da Fundação de Estudos Financeiros e de Contabilidade (Fipecafi), ligada à Universidade de São Paulo (Usp). 

"Os tributos sugam 40% de toda a riqueza
produzida pelos brasileiros, tanto
pessoas físicas como empresas."
Em outras palavras, os tributos sugam 40% de toda a riqueza produzida pelos brasileiros, tanto pessoas físicas como empresas. De longe, o poder público fica com a maior fatia do bolo, sem mover um dedo para produzir uma migalha sequer. A ineficiente e gigantesca máquina estatal fica com parcela maior do que a destinada aos trabalhadores que tiveram, em conjunto, remuneração equivalente a 24% da riqueza gerada. O Estado brasileiro, há muito tempo, é uma espécie de sócio majoritário, extremamente indigesto, das empresas. E, em períodos de crise como a atual, expõe uma face perversa das mordidas vorazes sobre os negócios da iniciativa privada que, essencialmente, é a responsável pela produção, trabalho e sustentabilidade. 

O atual sistema de tributação sacrifica todos os setores produtivos, porque impõe a bitributação ou a incidência de impostos em cascata, o que onera os produtos, coloca a produção brasileira em desvantagem diante da alta competitividade no mundo globalizado e, consequentemente, no elo final, prejudica a população consumidora. Aliás, quanto mais pobre for o cidadão, mais os tributos tiram do seu couro. 

Estudo do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT) mostra que, dentre 30 países pesquisados, o Brasil é o que oferece o pior retorno em benefícios à população em relação aos valores arrecadados por meio dos impostos. O levantamento avaliou as nações com as maiores cargas tributárias do mundo, relacionando estes dados ao PIB e ao Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de cada uma. O resultado é expresso no Índice de Retorno de Bem-Estar à Sociedade (Irbes). 

A comparação dói na gente. No Brasil, a carga tributária corresponde a 40% do PIB, o IDH é de 0,718 pontos e o Irbes fica em 135,85 pontos. Na Noruega, o imposto chega a 42,80% do PIB, mas o IDH é de 0,943 pontos e o Irbes atinge 145,94 pontos. Na Áustria, o peso tributário equivale a 42% do PIB, porém, o IDH é de 0,885 pontos e o Irbes alcança 141,93 pontos. Na Finlândia, a equação é 42,10% do PIB, IDH de 0,882 pontos e Irbes de 141,56 pontos. Os números comprovam a insaciável voracidade tributária brasileira, em contraste com o retorno miserável em benefícios à população que amarga desigualdade social gigante e cruel. Seria até palatável ter carga tributária alta, se viesse resposta proporcional em qualidade de vida. Não é o que acontece. 

O conhecido impostômetro, da Associação Comercial de São Paulo, instalado no miolo paulistano, contabiliza que o total de impostos pagos (federal, estadual e municipal) pelos brasileiros atingiu a cifra de R$ 1,5 trilhão, até 6 de outubro último. 

Para completar, há rotineiras ameaças de criação de impostos ou elevação das alíquotas dos já existentes para saciar fome e sede do gigantismo estatal, manipulado com total ineficiência e oportunismo, sem atender às demandas elementares do povo e viabilizar a infraestrutura da nação visando aumentar a competitividade dos bens nacionais. 

Não bastasse, o País tributa de forma impiedosa determinados produtos. Em que pese a importância de incentivar a vida saudável, combater vícios e desestimular compras supérfluas – são campanhas com as quais concordo –, a bigorna tributária desaba sobre alguns itens sem considerar os inúmeros e importantes atores que compõem as respectivas cadeias produtivas. Pior, sem que haja uma compensação viável para a população. Tudo bem sobrecarregar o cigarro de impostos, desde que diminuam os tributos sobre comida e outros gêneros de primeira necessidade para baratear preços. 

Só para ilustrar, registro os dez produtos mais tributados no País: cachaça (81,77%), casaco de pele (81,86%), vodca (81,52%), cigarro (80,42%), perfume importado (78,43%), caipirinha (76,66%), videogame (72,18%), revólver (71,58), perfume nacional (69,13%) e motos (65%). A grosso modo, quem toma uma cachaça é mais penalizado do que quem compra um abominável casaco de pele. 

Por essas e outras razões, apesar das fantásticas potencialidades que tem o nosso País, as atividades econômicas estão sempre fragilizadas e, por tabela, crescem as já imensas desigualdades sociais. Na prática, o imposto mata o Brasil. Com menos carga tributária ou, no mínimo, com retorno proporcional em qualidade de vida, o desenvolvimento sustentável ganha terreno para brotar e evoluir, assim como a tão almejada justiça social. 

Junji Abe é líder rural, foi deputado federal pelo PSD-SP (fev/2011-jan/2015) e prefeito de Mogi das Cruzes (2001-2008)

quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Reforma política já

Não precisa ser economista, tributarista, administrador ou especialista da área financeira para entender que a crise sem precedentes, despejada em cheio sobre a população brasileira, tem origem cristalina. A realidade caótica, com altíssimo índice de desemprego e carestia generalizada, é consequência da irresponsabilidade integral de pseudolíderes, travestidos de salvadores da Pátria, que se tornam governantes, como Fernando Collor de Mello e Luiz Inácio Lula da Silva. 

De um lado, comandam o País sem conhecimentos elementares sobre a absoluta necessidade de manter o equilíbrio orçamentário, fiscal e financeiro. De outro, não têm a mínima prudência para compor uma boa equipe de colaboradores experientes, competentes, dedicados e sérios. Ao invés de desempenharem cargos importantes, como o de presidente, com sentimento de verdadeiros estadistas, metem os pés pelas mãos. Para desgraça geral, esquecem tudo o que pregaram enquanto opositores ferrenhos de outros governantes. Desempenham as funções calcados em pura demagogia e populismo barato. Pior, carreiam para seus atos traços das próprias personalidades, com os agravantes da prepotência, soberba, mentira e falso socialismo. Tudo turbinado com doses inimagináveis de cinismo, imoralismo e corrupção. Sem, entretanto, deixarem de ser magnânimos na arte de vender ilusões. 

É verdade que o desmonte do País teve a ajuda do distorcido e nefasto sistema político-eleitoral e governamental, iniciado após duas décadas de regime militar, em 1985, com a abertura democrática. A democracia passou a ser utilizada como justificativa para tudo. Assim, entrou em trajetória ascendente a teia de abusos e aproveitamento do poder pelo poder, sem limites, para saciar a voracidade corrupta individual, grupal ou partidária. Esses falsos líderes locupletaram-se das riquezas do Brasil, praticando infinitas imoralidades, como o petrolão que, na realidade, é ponta de um pequeno iceberg que a Operação Lava Jato tenta extirpar. 

"O sistema corrupto robusteceu-se de tal forma nos seios
da governança que somente uma profunda e imediata
reforma política pode tirar o País do atoleiro" 
O sistema corrupto robusteceu-se e consolidou-se de tal forma nos seios da governança que somente uma profunda e imediata reforma política, consubstanciada na Constituição Federal, pode tirar o País do atoleiro e resgatar a credibilidade da população em relação à classe política. Diga-se de passagem, é medida imprescindível para o retorno do desenvolvimento sustentado da Nação e a chance de dias melhores para o povo. 

Como cidadão, continuo pregando a necessidade urgente da legítima reforma política – e não remendos, como vem sendo feito. Tal reforma não pode ser executada pelos congressistas. É impossível acreditar que os parlamentares, no exercício de suas funções, aprovem algo que possa não lhes ser benéfico. O que se vê é cada um puxando a sardinha para sua brasa. Não sobra peixe nenhum para o braseiro coletivo, aquele do interesse público, que se converterá nas melhores escolhas para a população brasileira.

Insisto que só existe um modo de viabilizar uma reforma política eficiente. Trata-se de uma Assembleia Nacional Constituinte que, eleita pelo povo, teria a missão de revisar toda a Constituição Federal. Seriam especialistas nas mais diversas áreas, integrantes de todos os segmentos da sociedade, com ilibada idoneidade e notório saber, enfim, brasileiros interessados em ajudar o País. O grupo não receberia salários – apenas ajuda de custo para deslocamentos, alimentação e estada, por exemplo. Nem seria integrado por congressistas já eleitos. Teria prazo máximo de dois anos para efetivar novas regras nos campos da legislação eleitoral e política partidária. 

Tomo a liberdade de registrar algumas modificações que reputo fundamentais: fim da reeleição para todos os cargos majoritários; uma única reeleição para os cargos proporcionais; extensão do mandato de quatro para cinco anos e coincidência de mandatos para evitar que o País pare a cada dois anos por causa de eleições; proibição de todas as coligações (majoritárias e proporcionais); extinção do quociente eleitoral (ganham os mais votados e pronto!); cláusula de barreira partidária para reduzir o número de partidos políticos ao máximo de cinco; reformulação do Fundo Partidário para descentralização proporcional da receita para estados e municípios, conforme o número de eleitores; regulamentação rigorosa do financiamento de campanhas eleitorais para direcionamento exclusivo aos partidos políticos; e implantação de eleições distritais mistas para que o povo possa fiscalizar com eficiência e cobrar com rigor os parlamentares. 

Não tenho dúvidas de que, com a reforma política concretizada, as demais importantes e urgentes reformas tributária, previdenciária e trabalhista/sindical, entre outras, serão muito mais compreensíveis, efetivas e menos combatidas. Sem a profunda reformulação constitucional – executada por brasileiros com elevado espírito público, despojados de ideologia partidária e fora de função pública –, o Brasil permanecerá à mercê de interesses individuais sustentados pela promíscua relação entre Executivo e alguns parlamentares do chamado alto clero, que deixa a coletividade à míngua. 

Junji Abe é líder rural, foi deputado federal pelo PSD-SP (fev/2011-jan/2015) e prefeito de Mogi das Cruzes (2001-2008)