quinta-feira, 31 de março de 2016

Melhor qualidade de vida

Não é de hoje que falo da necessidade de novas diretrizes para o cardápio do brasileiro. A falta de educação alimentar e o desconhecimento dos malefícios causados pela ausência de alimentos saudáveis na dieta estão associados ao grande consumo de massas, carnes, doces, frituras, refrigerantes e alimentos processados, ricos em gorduras saturadas. 

É sabido que apenas um terço dos jovens acometidos de obesidade mórbida consome frutas e hortaliças regularmente. Dados recentes mostram que a cada dez brasileiros adultos, seis estão com excesso de peso. Em relação há dez anos, subiu de 42,3% para 58,6% a proporção da população que têm problemas com a balança. 

Para os adeptos contumazes do consumo diário de proteína animal, cabe o alerta de que o baixo consumo de carne pode diminuir a mortalidade global entre 6% e 10% até 2050. Além das vantagens à saúde, a dieta menos carnívora ainda pode cortar a emissão dos gases de efeito estufa entre 29% e 70% em 34 anos. 
"O baixo consumo de carne pode diminuir a
mortalidade global entre 6% e 10% até 2050"

Segundo o líder da pesquisa, Marco Springmann, da Universidade de Oxford, se a maioria da população mundial, tivesse uma alimentação balanceada, com mais hortaliças e frutas e bem menos carne – especialmente, a vermelha – o planeta economizaria US$ 1 trilhão ou R$ 3,7 trilhões. São cifras despendidas com assistência médica, hospitalar e remédios. O Brasil seria um dos principais beneficiados do processo no planeta. Afinal, excesso de carne, produtos industrializados, ricos em açúcar e gordura, mas, pobres em fibras e nutrientes, são as principais causas da obesidade, hipertensão e altos índices de colesterol e triglicérides que provocam outras doenças. 

Como exemplo, está a invejável expectativa de vida dos japoneses. Quem vive no Japão consome alimentos ricos em determinados carboidratos, vegetais e frutas, além de muito peixe e moderada quantidade de carne vermelha. Ou seja, tem uma dieta com baixos índices de gorduras saturadas e alimentos processados. A parcela de carboidrato vem de fontes como arroz e vegetais. Pesquisadores do Centro Nacional para a Saúde Global e a Medicina, em Tóquio, constataram que o cardápio reduz em 15% o risco de morte. O público pesquisado – 36.624 homens e 42.920 mulheres, de 45 a 75 anos – não tinha histórico de câncer, derrame e doenças cardíacas ou hepáticas. 

Até a crise hídrica brasileira teria um cenário mais favorável de superação. Para cultivar um quilo de batata, são necessários 160 litros de água, enquanto o mesmo quilo de carne bovina não é produzido com menos de 15,977 mil litros de água. Para completar, é admirável a produção hortícola do País. Em nossa Região do Alto Tietê, é abundante e de alta qualidade. Mogi das Cruzes ainda é o referencial brasileiro em tecnologia na horticultura. 

Apesar de tantos motivos para rever o que come, cada brasileiro consome, por ano, parcos 27 quilos de hortaliças e 57 quilos de frutas. Significa uma quantidade de verduras e legumes quase seis vezes menor do que aquela ingerida anualmente pelos italianos (158 kg) e apenas um quarto do consumo anual de frutas registrado pelo canadense (223 kg). 

Se a rotina alimentar do brasileiro passasse a privilegiar vegetais e frutas, os produtores de Mogi e Região também ampliariam a teia de benefícios sociais, gerando mais empregos e renda, além de contribuir melhor com a arrecadação tributária que deve voltar para a sociedade sob a forma de investimentos em saúde, educação e outros setores. 

Nem pense que apregoo o vegetarianismo ou o veganismo (dieta que exclui qualquer derivado animal). Sei bem o quanto é gostoso saborear um churrasquinho, de vez em quando. O que proponho é reduzir o consumo de proteína animal. Ninguém morre se deixar de comer carne uma vez por semana. As hortaliças são terreno pródigo para substituições e são bem mais baratas. Vale tentar. Pelo bem da saúde, do bolso, do meio ambiente, do planeta. Por melhor qualidade de vida.

Junji Abe é líder rural, foi deputado federal pelo PSD-SP (fev/2011-jan/2015) e prefeito de Mogi das Cruzes (2001-2008) 

quinta-feira, 24 de março de 2016

Tempo de superação

Vivemos um momento de desesperança. Economia em queda livre, preços em disparada, desemprego instalado na rotina de 9 milhões de brasileiros, tudo sob suspeição e uma crise política que se tornou insustentável, destilando o ódio entre os apoiadores do governo e os contrários a ele. É com este clima que se aproxima o Domingo de Páscoa. 

O Brasil já enfrentou situações bem ruins, caóticas mesmo. Superou. Com as potencialidades naturais da Nação e a força do povo, havemos de suplantar este período terrível. Não se pode perder a fé. Por mais sombrios que sejam os dias, o sol não deixa de existir. É providencial olhar um pouco para trás e resgatar uma dose extra de fé. 

Como cristão, rememoro o dantesco sacrifício de Jesus para derramar o perdão divino sobre nosso mundo de mortais pecadores. Sua tortura, mutilação e aniquilamento não podem continuar passando ao largo da ambição desmedida e sede de poder da humanidade. A Semana Santa também estimula a reflexão. Precisamos ter coragem de mudar posturas. 

Se as barbáries multiplicam vítimas no planeta, também existem pessoas de bem, capazes de atitudes inomináveis de bondade. De doação e gratidão. Falo de pequenos gestos de amor. De ceder o lugar no ônibus, dividir o lanche com um necessitado, adotar um animalzinho abandonado, oferecer uma palavra de conforto, ser gentil com os outros, ter mais tolerância com quem pensa diferente, dar um abraço apertado em quem precisa e outras tantas atitudes quase invisíveis a olho nu, em meio ao conturbado palco de grandes feitos e malfeitos.

Ao louvar a ressurreição de Jesus, podemos nos esforçar para rever comportamentos, renascendo como fez Ele e, apesar das nossas falhas e limitações, buscar meios de concretizar mais pequenos gestos de amor. A soma das minúsculas ações de bem pode gerar um movimento forte de bondade. 

Lembro-me de Judas, o traidor que vendeu o Mestre. A criançada faz a farra no Sábado de Aleluia, faturando balas com um boneco de pano – surrado aos montes e, às vezes, com a identidade de alguém visto como vilão. Brincadeira à parte, porque a vingança jamais seria um ensinamento de Jesus, vamos, nós também, malhar os ‘judas’ das nossas almas. Vamos expulsar a pauladas todo e qualquer sentimento ruim que habite em nossos corações. Façamos uma faxina interior para tirar de nós tudo o que seja contrário à bondade, humildade, paz, solidariedade e ao amor.

Se você é pai, mãe, avô, avó, tio, tia ou convive com crianças e adolescentes, pode fazer mais. Pode tentar repassar-lhes a lição dos pequenos gestos de bondade. Não de vez em quando. Mas, o tempo todo. E agindo com a consciência de inspirá-los a condutas melhores. 

Antes de saborear o almoço desta Sexta-Feira Santa, vamos refletir um pouco sobre o sofrimento de Jesus. Visto como ameaça pelos poderosos, Ele foi crucificado por ser diferente. Por ser um líder imbatível, porque pregava o amor incondicional. Amor a Deus, aos pais, aos filhos, aos amigos, aos companheiros, aos desconhecidos, aos inimigos.

"Assim, de alma lavada, celebremos
de verdade a ressurreição de Jesus."
Sejamos pessoas melhores, capazes de reconciliação com aqueles a quem magoamos e com aqueles que nos magoaram. É tempo de perdão. Na cruz, à beira da morte física, Jesus elevou o pensamento ao Pai e pediu que Deus perdoasse seus algozes. Quem somos nós para negar ou para não pedir perdão? 

Assim, de alma lavada, celebremos de verdade a ressurreição de Jesus. Com ou sem ovos de chocolate, não importa. Jesus está vivo entre nós. Façamos a nossa parte para que Ele renasça, a cada dia, em nossos corações. Acreditemos que podemos praticar as lições que ensinou. Superemos, nós também, o nosso calvário, com pequenos gestos de bondade, foco e muita fé. Feliz Páscoa!

Junji Abe é líder rural, foi deputado federal pelo PSD-SP (fev/2011-jan/2015) e prefeito de Mogi das Cruzes (2001-2008)

quinta-feira, 17 de março de 2016

Geração perdida


"A sociedade só tem a perder com a situação, porque acaba privada desses talentos desperdiçados."
Enquanto perduram a Operação Lava Jato, mais estonteantes denúncias de corrupção e um horizonte de incertezas no cenário político, a economia nacional parece sem chances de reverter o radical mergulho na mais profunda recessão em 25 anos. O mercado de trabalho está caótico. Já são aproximadamente 9 milhões de desempregados. Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a taxa de desemprego cresceu para 8,5% na média do ano passado. É a maior já medida pela Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), iniciada em 2012.

Se o quadro atual já é desesperador, o futuro dos jovens de hoje se desenha ainda mais ameaçado. Se a coisa não melhorar, eles correm o risco de ser uma geração perdida em poucos anos. A taxa de desocupação entre quem tem de 18 a 24 anos ficou em 16,8% em 2015 e foi a que mais cresceu entre os grupos etários.

No ano passado, esse grupo enfrentou o salto de 4,7 pontos percentuais no índice de desemprego em relação a 2014, enquanto a média geral da população das grandes metrópoles amargou o avanço de dois pontos percentuais. Os dados do IBGE de janeiro de 2016 sinalizam aumento ainda maior, de seis pontos, em comparação com janeiro de 2015.

Embora o desemprego dos mais jovens seja, tradicionalmente, superior ao de outras faixas etárias, o preocupante é a intensidade da aceleração. Quem está ingressando no mercado agora não acha vagas. Portanto, fica sem experiência para evoluir em sua carreira. Quando a crise passar (porque vai passar!), tende a ser preterido por outros que buscam estreia na vida profissional.

Para entender melhor, vale a explicação dada pela especialista do Insper, Regina Madalozzo: "Imagine alguém que se formou no ensino médio em 2015 e não encontra emprego até o fim deste ano. No início de 2017, ele vai competir com quem terá acabado de se formar em 2016. Agora, imagine se a crise levar mais um ano. Haverá o dobro de pessoas para concorrer".

Não bastasse a evolução tardia das carreiras e a consequente demora para conseguir ter salários maiores, esses jovens podem sofrer distúrbios de saúde, como ansiedade e depressão. A sociedade só tem a perder com a situação, porque acaba privada desses talentos desperdiçados. Aqueles que conseguem uma chance, tentarão a sorte no exterior. Em Mogi das Cruzes, vivenciei de perto o drama que atingiu todos os setores.

A escalada inflacionária de 20 anos – de 1975 a 1994 –, com índices de 90% a 100% ao mês, desequilibrou as estruturas sociais, econômicas e financeiras do País, ocasionando índices de 30% a 35% de desemprego. Foi uma das fases mais longas da nossa história com a dramática perda da dignidade humana. As consequências dolorosas daquele período, em Mogi, iniciaram acentuada reversão em 2001 quando, na minha primeira gestão como prefeito, transformamos em Lei Municipal o Programa de Desenvolvimento Empresarial, com estímulos e incentivos à expansão de negócios, que gerou milhares de empregos. Como referência, cito as empresas de call center, entre centenas de outras.

O panorama sombrio para a juventude extrapola a frustração por não conquistar uma vaga, a incapacidade de ajudar no orçamento doméstico – cada vez mais lesado pela recessão –, as sequelas econômicas por desperdício de talento e o risco de adoecer de tristeza e ansiedade. Faltam oportunidades no mercado de trabalho. Mas, sobram tentações para o ingresso nos lamentavelmente vigorosos crime organizado e tráfico de drogas. Na prática, significa a ameaça real e imediata de mais violência. Estudos da Fundação Getúlio Vargas confirmam que situações temporárias de desemprego entre jovens podem fazer com que eles ingressem no crime e transformem a atividade em conduta permanente. Resta-nos torcer por dias melhores também para evitar uma geração perdida. Oremos!

                       Junji Abe é líder rural, foi deputado federal pelo PSD-SP (fev/2011-jan/2015) e prefeito de Mogi das Cruzes (2001-2008)

Crédito da foto: Beto Oliveira 

quinta-feira, 10 de março de 2016

Mais tolerância

Um pouco mais de bom senso e tolerância parece ser a recomendação mais adequada nestes tempos de contínua interação digital, em que fazer amigos tornou-se tão fácil e rápido quanto colecionar inimigos. Ler comentários de algumas publicações virou ato proibido às pessoas mais sensíveis. Não raro, há xingamentos de todo tipo. Na maioria dos casos, vindos de autores anônimos ou fakes (perfis falsos que ocultam a verdadeira identidade). Parece haver um certo prazer em atacar, acusar ou denegrir – ou tudo junto – não só a postagem, mas também quem postou. 

É uma prática que viola a mais rudimentar das etiquetas da era cibernética: se não gostou, ignore. Em especial, se o autor da postagem integrar seu círculo de amigos virtuais. Ainda há as opções de desfazer a amizade e parar de acompanhar suas publicações na rede. Tudo, bem antes de despachar os ataques. Como mostram os cães, não há por que morder quando basta um simples rosnado. 

Tempos atrás, fizeram um carnaval nas redes sociais por causa de uma questão do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) que abordava o feminismo, com uma citação de Simone de Beauvoir. Na minha modesta opinião, o fato de discordar de determinada ideologia não tira de ninguém o dever de conhecê-la. Aliás, quanto maior o conhecimento, melhores as condições para escolher aquilo que se julga ser mais adequado ou conveniente. Negar o acesso às diferentes linhas de pensamento é o mesmo que impedir escolhas. Numa comparação simplista, é como dizer que odeia jiló sem nunca ter experimentado.

Chegou-se num ponto em que uma brincadeira inofensiva pode virar agressão mútua grave, a ponto de levar os contendores às vias de fato e às raias judiciais. Dias desses, vi a notícia de um baita conflito causado por plaquinhas numa lanchonete. Uma, escrita em inglês, trazia o alerta de proibição para homem sem camisa, enquanto mulher sem camisa beberia de graça. Na outra, havia preços para respostas a serem dadas a esposas ou namoradas que ligassem à procura dos respectivos pares. Para “acabou de sair”, o valor era um. “Não o conhecemos” custava mais caro. Teoricamente, eram peças para fazer graça. Mas, viraram apologia ao machismo. Nem o humor vem sendo perdoado. 

Quando o assunto é política, a coisa piora muito. É admirável ter uma ideologia e nobre, defendê-la. Contudo, o fato de pensar de um jeito não dá a ninguém o direito de agredir o outro por pensar diferente. A exposição de múltiplos argumentos fornece uma contribuição valiosa a quem deseja formar a própria opinião. Mas, acusações infundadas e xingamentos só criam confrontos inúteis.

Embates entre pensamentos divergentes não se limitam ao ambiente virtual. Estão nas ruas. Às vésperas do dia 13 de março, quando está marcada mais uma legítima manifestação de apoio ao impeachment da presidente Dilma Rousseff, rogo por mais tolerância. Em especial, porque os ativistas pró-governo também anunciaram que vão para as ruas. A livre expressão é um direito constitucional que precisa ser respeitado. A prática da cidadania é louvável. O inadmissível é que a exposição de opiniões divergentes vire selvageria. A intolerância de todo tipo já feriu e matou demais. 

Como referência, não podemos permitir em sã consciência o revoltante fanatismo e intolerância do Estado Islâmico (EI) que, em nome do fundamentalismo, mata os opositores fulminando-os com tiro na nuca ou degolando-os, num rito de total barbárie. Literalmente inacreditável. Destrói as fantásticas histórias das cidades milenares e ocasiona a tragédia do século nos países do Oriente Médio, com milhares de refugiados buscando sobrevivência nas nações da Comunidade Europeia.

A diversidade amplia desafios, aprimora o conhecimento, fortalece a alma, estimula o bom senso, faz o mundo ser plural. É assim no convívio social, com os amigos, no lar. Também é assim para os políticos, no exercício de cargos eletivos. Diferentes colorações partidárias, ideologias pouco similares e até posições antagônicas sobre diversos assuntos não transformam ninguém em inimigo. Quando existe respeito, não sobra espaço para animosidade. Crescem as possibilidades de unir forças e otimizar resultados. 
"Acredito que conversar, sem preconceitos, seja
a chave para superar divergências."

Herdei pouco da paciência oriental típica dos meus ancestrais. Por outro lado, recebi valiosos ensinamentos da filosofia budista, que carrego comigo, embora seja católico. Dentro deste conceito, sou adepto da conciliação. Procuro não entrar em discussão se estiver irritado, porque todo ser irado está surdo e incapaz de concatenar ideias. Sem ouvir, é impossível chegar ao consenso. Sem explicar direito, jamais se fará entender. Acredito que conversar, sem preconceitos, seja a chave para superar divergências.

Seja uma desavença doméstica, um conflito no ambiente de trabalho, uma briga de trânsito ou uma guerra, a impaciência e a intolerância estão presentes. São causas ou molas propulsoras do agravamento das crises. Como humanos, não gostamos de ser contrariados. Como seres civilizados, precisamos aprender a lidar melhor com a pluralidade de ideias e diversidade de opiniões. Só assim, poderemos evoluir como cidadãos e como sociedade.

Junji Abe é líder rural, foi deputado federal pelo PSD-SP (fev/2011-jan/2015) e prefeito de Mogi das Cruzes (2001-2008)

quinta-feira, 3 de março de 2016

Peso da verdade

Havia quase uma centena de pessoas naquela reunião popular em Jundiapeba. Era mais uma etapa da jornada desenvolvida no ano 2000 para elaboração do PGP – Plano de Governo Participativo, instrumento que se tornou a bússola dos meus dois mandatos como prefeito de Mogi das Cruzes. Manifestações acaloradas, discussões paralelas, burburinhos, o furor que vem a reboque de um tema polêmico: a saúde pública. Todos queriam opinar ao mesmo tempo. Em meio ao alvoroço, uma jovem grávida ergueu o braço e se apresentou. 

Chamava-se Maria, tinha 27 anos, seis filhos e o sétimo a caminho. Nunca fizera um exame de prevenção do colo do útero. A filha mais velha, de 14 anos, entrara no quinto mês de gestação sem ter passado por um único exame pré-natal. 

"Puxei esse relato da memória para propor
uma reflexão sobre a importância da mulher."
Instalou-se o silêncio, testemunha da relação de identidade firmada com a história que ela trazia. Maria prosseguiu dizendo que uma consulta com ginecologista parecia quase tão difícil quanto enfrentar as dores do parto. E se a criança já não tinha assistência no ventre da mãe, também não receberia cuidados adequados depois de nascer. Nada de pediatra; só clínico geral. 

Maria expressava-se com desenvoltura escancarando refinado conhecimento do dramático panorama da saúde pública. Mãe, filha, esposa e, em poucos meses, também avó, defendia maior atenção à mulher e a medicina preventiva. Falou com a dignidade de cidadã. Aos ouvintes, provou que a experiência emerge como sábia mestra de quem tem a humildade de aprender. 

O que Maria não sabia é que seu depoimento seria a semente para começar a revolução na saúde pública de Mogi das Cruzes. Assumi a Prefeitura em 2001 com uma filosofia de governo alicerçada na qualidade de vida dos moradores. Significa que o ser humano vem em primeiro lugar. Tudo mais tem de ser ajustado a esse propósito. Os cuidados começam quando ele ainda está na barriga da mãe. E se estendem ao longo de sua existência. Foram conceitos de prática obrigatória em todas as áreas da administração municipal. 

Para enfrentar as graves deficiências da saúde, reorganizamos e modernizamos a estrutura, e investimos pesado – sempre além do que manda a legislação – para ampliar a rede de atendimento, a frota de ambulâncias e, principalmente, a equipe de profissionais. Ao longo de três anos, perseguimos os meios para consolidar o projeto capaz de garantir às mulheres de todas as idades um tratamento especial. Em 8 de março de 2004, inauguramos a primeira unidade do Pró-Mulher. A segunda, em Braz Cubas, chegaria dois anos depois.

Foi o meio de prestar uma homenagem cotidiana às mulheres, sob a forma de assistência especializada e de serviços que incluíam programas de prevenção, planejamento familiar – de orientação até encaminhamentos para laqueadura e vasectomia –, gestação segura, acompanhamento e de saúde bucal para gestantes e bebês. 

Houve uma série de outras iniciativas para melhorar a saúde pública na Cidade, tanto em minhas gestões como nas do atual prefeito Marco Bertaiolli (PSD). Puxei esse relato da memória para propor uma reflexão sobre a importância da mulher. É minha singela homenagem às guerreiras celebradas no dia 8 de Março.

Sempre fui cercado por grandes mulheres, de quem sou um eterno devedor. Delas, aprendo um pouco todo dia. E me torno um ser humano mais sensível e essencialmente grato. A Deus, à vida, ao mundo. Falo de gente guerreira que não foge da raia e, apesar da aparente fragilidade, faz emergir uma força sobrenatural capaz de superar os maiores obstáculos. 

São exemplares femininos que, por si, justificam a existência de um dia em homenagem à mulher. Penso que todos os dias deveriam ser especiais para elas. São guerreiras inatas, cada qual com suas habilidades, encantos e peculiaridades. Rezo a Deus para que proteja e ampare todas no planeta. Apelo aos homens que se esforcem um pouco mais para serem dignos da presença delas. Que aprendamos com elas o indescritível significado de gerar vida. Acima de tudo, que saibamos ouvi-las sempre. Afinal, uma delas pode dizer aquilo que mudará o curso da história. Como fez Maria, a jovem que inspirou a revolução da saúde mogiana com o peso da verdade que nunca exagera. E nem exclui. Parabéns, grandes mulheres!

Junji Abe é líder rural, foi deputado federal pelo PSD-SP (fev/2011-jan/2015) e prefeito de Mogi das Cruzes (2001-2008)