sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Memórias de um líder rural

Junji: presidente do Sindicato Rural de 1980 a 2000

Beneficiadas pelas condições climáticas que caracterizam o microclima, Mogi das Cruzes e demais cidades da Região do Alto Tietê foram palco do cultivo de verduras, legumes, tubérculos e bulbos, desde o século 19. Imigrantes italianos e espanhóis comandavam as plantações que tinham a batata inglesa como carro-chefe. Era chamada de batatinha. A popularidade do cultivar moldou a expressão “batateiro”, no lugar de bataticultor, para designar o produtor deste item. Também ganhava atenção a batata doce. No segmento de hortaliças, predominava o repolho. 

Era uma época em que o preparo do solo se dava com arados e grades de tração animal (burros e bois) para gerar os cultivos considerados extensivos, de grandes dimensões. Até então, não se podia imaginar pulverizações ou irrigações para o manejo das culturas. 

Os imigrantes japoneses que chegaram ao Brasil a partir de 1908 foram praticamente todos deslocados para o Interior paulista, na condição de colonos, à disposição de grandes fazendas de café e, posteriormente, de algodão. De 1920 para cá, começaram a seguir o exemplo de italianos e espanhóis na seara das hortaliças. Da mesma forma, utilizavam o processo rudimentar de tração animal e capinação manual, com enxadões e enxadas. 

Entretanto, diferentemente das imigrações europeias, os imigrantes japoneses iniciaram uma agricultura baseada em seu país de origem, com glebas pequenas, ao contrário das usuais culturas extensivas. Ficaram famosas práticas como o “arranca-toco” para desbravar terras na região da Mata Atlântica. Mesmo sem energia elétrica e, muitas vezes, sem estradas de acesso, eles enfrentaram com bravura o desafio de modelar a Região do Alto Tietê, de forma pioneira, como minifúndios altamente produtivos. 

Mais que isso. O modelo nipônico multifacetou as lavouras, que deixou de ter poucas culturas anuais. Os imigrantes introduziram uma série de diferentes verduras, legumes e bulbos. Era a estratégia para que tivessem renda, senão o ano inteiro, pelo menos, maior que uma ou duas safras anuais. Com dedicação extraordinária e reduzidos apoios dos órgãos governamentais, evoluíram. 

Já naquela época, o Estado de São Paulo se destacava dos demais, porque o governo tinha a famosa estrutura de apoio e assistência técnica aos produtores que, diga-se, uma maioria de pequenos, por meio das Casas da Lavoura. Estas unidades agrupavam engenheiros agrônomos profundamente integrados aos pequenos lavradores. 

A estreita relação entre produtores e técnicos de assistência técnica e extensão rural impulsionou a constituição de associações capazes de representar a laboriosa classe produtora de alimentos. Não tardou para que surgisse a Associação Rural de Mogi das Cruzes, fundada em 14 de maio de 1950. O primeiro presidente foi Arnaldo Andreucci, sucedido por Kotaro Watanabe em 31 de janeiro de 1954. Na sequência, até 31 de dezembro de 1957, o comando da entidade ficou sob a responsabilidade do engenheiro agrônomo Edison Consolmagno. O ex-prefeito Rodolpho Jungers ocupou o cargo até 31 de dezembro de 1962 e teve como sucessor Kenji Neguishi. De 1º de janeiro de 1965 a 12 de junho de 1980, Minor Harada esteve à frente da instituição. 

Cada um deles desempenhou de forma magnânima suas funções, ao lado de agricultores eleitos como membros da diretoria, para garantir união na conquista dos direitos da classe junto ao governo e à sociedade, principalmente no que tange ao respeito e reconhecimento pela produção de alimentos. 

A famosa Associação Rural de Mogi das Cruzes sofreu uma transformação em função da Revolução de 1964. Foi quando o governo militar converteu as associações classistas de atividades econômicas no Brasil em sindicatos, patronais ou de trabalhadores. Assim, teve início uma nova fase da representação dos produtores rurais por meio do Sindicato Rural de Mogi das Cruzes. 

Lutas memoráveis e de grande demonstração de unidade fazem parte do histórico do Sindicato Rural de Mogi das Cruzes. Dentre algumas façanhas, vale citar a mobilização para combater os efeitos catastróficos da transformação do IVC – Imposto sobre Vendas e Consignações em ICM – Imposto sobre Circulação de Mercadorias. O novo tributo colocava em cheque a continuidade das atividades agrícolas e a sobrevivência dos produtores que se dedicavam a culturas perecíveis e sazonais. Enquanto os agricultores eram praticamente isentos do IVC, passaram a ter de recolher 28% do valor da venda bruta como ICM. 

Para protestar contra a medida fulminante, em meados da década de 60, o então presidente do Sindicato Rural, jovem líder rural Minor Harada, convocou a manifestação. Os produtores saíram às ruas com tratores da época para uma concentração na antiga Cooperativa Agrícola Mista de Mogi das Cruzes, localizada na Rua Dr. Deodato Wertheimer, esquina com a Avenida Francisco Rodrigues Filho. Naquela ocasião, a mobilização reuniu aproximadamente 10 mil pessoas e 300 tratores de 25 bairros e distritos rurais da Cidade. 

O megaprotesto teve uma repercussão tão forte que fez o governo voltar atrás. Graças ao Sindicato Rural de Mogi das Cruzes, todos os demais municípios paulistas com economia agrícola ficaram livres do impostaço. A isenção permanece até hoje, apesar de o ICM ter agregado os Serviços passando a ser chamado de ICMS. 

É uma pequena amostra das dezenas de feitos empreendidos pelo Sindicato Rural de Mogi das Cruzes. O Município se destacava como o maior polo produtivo de olerícolas – verduras, legumes, bulbos e tubérculos –, avicultura e fruticultura. O cenário inspirou o saudoso e extraordinário engenheiro agrônomo Edison Consolmagno a criar a expressão hortigranjeiros. Mais tarde, com a expansão do setor e a introdução de novos e fortes itens no processo produtivo, o termo agregou as frutas, tornando-se hortifrutigranjeiros. Já era a nossa gestão à frente do Sindicato Rural de Mogi das Cruzes, na década de 80. 

A história do Sindicato Rural é tão fecunda que o espaço fica pequeno para tantas conquistas em prol da categoria. Sob os incentivos da entidade, vieram os avanços no processo produtivo. Saíram de cena os animais para tração e as ferramentas manuais. Sempre na vanguarda da olericultura, pioneiramente, Mogi das Cruzes estreou na irrigação. Da mesma forma, a pulverização deixou as costas dos trabalhadores para com o auxílio de implementos apropriados, puxados por tratores. 

Parece um videotape, mas todas as dificuldades que os produtores enfrentam nos dias atuais são reprises de tantas crises já vividas. Se hoje existe a incerteza dos prejuízos que advirão do novo Código Florestal, comparável ao ICM já relatado, não se pode esquecer do longo período inflacionário iniciado em 1978. A sequência de governos irresponsáveis destruiu uma das maiores riquezas da área produtiva rural, marcada pela continuidade de geração após geração no campo, com a sucessiva transferência de conhecimentos e experiência aos sucessores. 

Na esteira da espiral inflacionária que sacrificou a sociedade brasileira ao longo de mais de 16 anos, os produtores acabaram mutilados em sua atividade. Tiveram penhorados seus bens e sepultadas suas chances de permanecer na produção, em função de financiamentos impagáveis. Paralelamente, foi a mesma tragédia que liquidou as cooperativas agrícolas. 

O governo militar, iniciado em 1964, motivou e moldou os agricultores a utilizarem os financiamentos rurais, acenando com subsídios imensos. Como exemplo, destacam-se os fertilizantes subsidiados. Quem financiava a compra, era beneficiado com descontos que permitiam ao devedor devolver ao banco apenas 60% do valor contratado para adquirir o insumo. Tanto para custeio como para investimento, os produtores ficaram viciados no crédito rural. 

Com a inflação chegando a patamares da ordem de 100% ao mês, os financiamentos tiveram correção monetária na amortização, tornando-se impagáveis. A maioria dos imigrantes e seus descendentes foram praticamente dizimados. Daí, em 1988, após o naufrágio do Plano Cruzado, veio o fenômeno dekassegui que levou milhares de descendentes de japoneses a fazer o caminho inverso de seus ancestrais, em busca de sobrevivência no Japão. Foi um período de triste memória.

Junji Abe, deputado federal - PSD-SP


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