quinta-feira, 10 de março de 2016

Mais tolerância

Um pouco mais de bom senso e tolerância parece ser a recomendação mais adequada nestes tempos de contínua interação digital, em que fazer amigos tornou-se tão fácil e rápido quanto colecionar inimigos. Ler comentários de algumas publicações virou ato proibido às pessoas mais sensíveis. Não raro, há xingamentos de todo tipo. Na maioria dos casos, vindos de autores anônimos ou fakes (perfis falsos que ocultam a verdadeira identidade). Parece haver um certo prazer em atacar, acusar ou denegrir – ou tudo junto – não só a postagem, mas também quem postou. 

É uma prática que viola a mais rudimentar das etiquetas da era cibernética: se não gostou, ignore. Em especial, se o autor da postagem integrar seu círculo de amigos virtuais. Ainda há as opções de desfazer a amizade e parar de acompanhar suas publicações na rede. Tudo, bem antes de despachar os ataques. Como mostram os cães, não há por que morder quando basta um simples rosnado. 

Tempos atrás, fizeram um carnaval nas redes sociais por causa de uma questão do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) que abordava o feminismo, com uma citação de Simone de Beauvoir. Na minha modesta opinião, o fato de discordar de determinada ideologia não tira de ninguém o dever de conhecê-la. Aliás, quanto maior o conhecimento, melhores as condições para escolher aquilo que se julga ser mais adequado ou conveniente. Negar o acesso às diferentes linhas de pensamento é o mesmo que impedir escolhas. Numa comparação simplista, é como dizer que odeia jiló sem nunca ter experimentado.

Chegou-se num ponto em que uma brincadeira inofensiva pode virar agressão mútua grave, a ponto de levar os contendores às vias de fato e às raias judiciais. Dias desses, vi a notícia de um baita conflito causado por plaquinhas numa lanchonete. Uma, escrita em inglês, trazia o alerta de proibição para homem sem camisa, enquanto mulher sem camisa beberia de graça. Na outra, havia preços para respostas a serem dadas a esposas ou namoradas que ligassem à procura dos respectivos pares. Para “acabou de sair”, o valor era um. “Não o conhecemos” custava mais caro. Teoricamente, eram peças para fazer graça. Mas, viraram apologia ao machismo. Nem o humor vem sendo perdoado. 

Quando o assunto é política, a coisa piora muito. É admirável ter uma ideologia e nobre, defendê-la. Contudo, o fato de pensar de um jeito não dá a ninguém o direito de agredir o outro por pensar diferente. A exposição de múltiplos argumentos fornece uma contribuição valiosa a quem deseja formar a própria opinião. Mas, acusações infundadas e xingamentos só criam confrontos inúteis.

Embates entre pensamentos divergentes não se limitam ao ambiente virtual. Estão nas ruas. Às vésperas do dia 13 de março, quando está marcada mais uma legítima manifestação de apoio ao impeachment da presidente Dilma Rousseff, rogo por mais tolerância. Em especial, porque os ativistas pró-governo também anunciaram que vão para as ruas. A livre expressão é um direito constitucional que precisa ser respeitado. A prática da cidadania é louvável. O inadmissível é que a exposição de opiniões divergentes vire selvageria. A intolerância de todo tipo já feriu e matou demais. 

Como referência, não podemos permitir em sã consciência o revoltante fanatismo e intolerância do Estado Islâmico (EI) que, em nome do fundamentalismo, mata os opositores fulminando-os com tiro na nuca ou degolando-os, num rito de total barbárie. Literalmente inacreditável. Destrói as fantásticas histórias das cidades milenares e ocasiona a tragédia do século nos países do Oriente Médio, com milhares de refugiados buscando sobrevivência nas nações da Comunidade Europeia.

A diversidade amplia desafios, aprimora o conhecimento, fortalece a alma, estimula o bom senso, faz o mundo ser plural. É assim no convívio social, com os amigos, no lar. Também é assim para os políticos, no exercício de cargos eletivos. Diferentes colorações partidárias, ideologias pouco similares e até posições antagônicas sobre diversos assuntos não transformam ninguém em inimigo. Quando existe respeito, não sobra espaço para animosidade. Crescem as possibilidades de unir forças e otimizar resultados. 
"Acredito que conversar, sem preconceitos, seja
a chave para superar divergências."

Herdei pouco da paciência oriental típica dos meus ancestrais. Por outro lado, recebi valiosos ensinamentos da filosofia budista, que carrego comigo, embora seja católico. Dentro deste conceito, sou adepto da conciliação. Procuro não entrar em discussão se estiver irritado, porque todo ser irado está surdo e incapaz de concatenar ideias. Sem ouvir, é impossível chegar ao consenso. Sem explicar direito, jamais se fará entender. Acredito que conversar, sem preconceitos, seja a chave para superar divergências.

Seja uma desavença doméstica, um conflito no ambiente de trabalho, uma briga de trânsito ou uma guerra, a impaciência e a intolerância estão presentes. São causas ou molas propulsoras do agravamento das crises. Como humanos, não gostamos de ser contrariados. Como seres civilizados, precisamos aprender a lidar melhor com a pluralidade de ideias e diversidade de opiniões. Só assim, poderemos evoluir como cidadãos e como sociedade.

Junji Abe é líder rural, foi deputado federal pelo PSD-SP (fev/2011-jan/2015) e prefeito de Mogi das Cruzes (2001-2008)

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