quinta-feira, 16 de junho de 2016

Gênero de 1ª necessidade

Poucas décadas atrás, a cultura era tratada como artigo de luxo. Portanto, supérflua para o povo. Não havia a menor preocupação em proporcionar opções gratuitas de eventos culturais, esportivos e de lazer. Menos ainda de oferecer atividades que desenvolvessem o gosto pelas manifestações artísticas. As ações públicas concentravam-se em obras. De preferência, as grandes, com alta visibilidade.

Essa visão tacanha de que as pessoas não precisam de cultura, nem de esportes e muito menos de lazer é a causa de um bocado dos males que tanto afligem a sociedade atual. É claro que a culpa maior é da má distribuição de renda, associada aos esforços deficitários para viabilizar educação pública de qualidade. 

O pouco caso com áreas essenciais ao bem-estar físico e mental do ser humano tem muito a ver com o alto nível de agressividade que as pessoas carregam. Basta olhar o comportamento dos motoristas no trânsito. Na sociedade moderna, onde a pressão por causa do emprego ou pela falta dele está na veia de todo cidadão comum, as atividades culturais, artísticas, esportes e lazer são imprescindíveis. A maioria da população não pode pagar por eles. Então, cabe ao poder público oferecer opções gratuitas. E para todas as idades.

É inegável que são bem mais tranquilas e disciplinadas as crianças que tocam um instrumento musical, participam de um grupo de teatro, enfim, têm acesso aos bens culturais ou praticam algum esporte. Com certeza, serão adultos mais sensíveis, equilibrados, produtivos, menos propensos a ataques de raiva e problemas de saúde. Serão bem mais saudáveis.

Igualmente, os adultos também precisam ter a chance de participar de manifestações culturais e artísticas ou de, pelo menos, apreciá-las. Ou de praticar esportes. Ou de, no mínimo, contar com um parque público onde possam ir com a família no fim de semana, fazer um piquenique, ter momentos de descontração. Para a terceira idade, então, é vital ter acesso a atividades que permitam a socialização e tirem da cabeça do idoso a terrível sensação de ser um peso para alguém. São iniciativas que fazem bem ao corpo e à mente.

Outra bobagem sem tamanho é achar que o povo não gosta de arte. Gosta sim. Só precisa conhecer. Ninguém pode gostar do que não conhece. Senão, fica que nem o caviar na música do Zeca Pagodinho: “Nunca vi nem comi; eu só ouço falar”. 

Quando se fala em cultura e artes não pode haver preconceitos. Nem da sociedade; muito menos do poder público. Ao longo dos oito anos como prefeito de Mogi das Cruzes, notamos o interesse dos adolescentes por rap, hip hop e dança de rua (a street dance dos americanos). Resolvemos criar oficinas culturais dessas modalidades. Muita gente criticou dizendo que eram ritmos da marginalidade. Ora, que sandice! É tão arte quanto música erudita e balé clássico. No caso, era mais. Era o que os jovens queriam. 

A iniciativa foi um sucesso. Em vez de gastar o tempo ocioso nas ruas, a meninada ia, entusiasmada, para as oficinas. Em eventos, os grupos arrancavam aplausos de quem antes criticava. A arte é plural. Aliás, na campanha à reeleição, em 2004, fui presenteado com um jingle no estilo rap e coreografia de dança de rua. Fizemos um videoclipe, exibimos nos programas de tevê e todo mundo adorou. 

Igualmente, enfrentamos muita ironia e descrédito para criar a Orquestra Sinfônica Jovem Minha Terra Mogi com crianças pobres da Cidade. Bem, os queixos caíram no primeiro concerto. Meninos e meninas humildes, com violinos, violoncelos, piano e tudo mais, paralisaram a plateia durante a execução de uma série de músicas clássicas. 

Nossa meta era proporcionar ocupação saudável para crianças e adolescentes. Dentro deste propósito, idealizamos uma Sala de Música sem igual na Região, com estrutura e acústica integralmente planejadas para a finalidade. O projeto foi realizado na Escola Municipal Professor Mario Portes, em Jundiapeba. É onde vive a maior parcela da população carente de Mogi. Ouvi uma porção de comentários maldosos. Para se ter ideia, diziam que o local seria destruído em menos de uma semana e outros absurdos típicos de gente preconceituosa. 

Aos humanos de pouca fé, mais um show de cidadania. Ali, naquele espaço, os alunos aprenderam, ensaiaram e constituíram a Banda Sinfônica que coleciona prêmios em competições no Estado. Sim, tanto a Sala de Música como a própria escola são muito bem cuidadas. Há canteiros floridos, paredes intactas, nenhuma sujeira no chão e tudo mais que caracteriza o território de cidadãos de verdade. Para completar, o atual prefeito Marco Bertaiolli transformou esta e outras 135 escolas em unidades de período integral. Em parceria com associações de moradores, também implantamos dezenas de bibliotecas comunitárias difundindo nos bairros a oportunidade de leitura. 

É uma minúscula amostra de tantas outras ações públicas que difundem a cultura, promovem a cidadania e evitam que os menores fiquem nas ruas, à mercê das teias da criminalidade e das drogas. Houve muitos outros bem-sucedidos programas públicos para todas as idades, seguindo o raciocínio de que é indispensável a oferta gratuita de atividades culturais, artísticas, esportivas e de lazer à população. 

Recentemente, fiquei emocionado ao reencontrar o professor Kleber Felipe. Ele ingressou no mundo da música quando tinha 10 anos de idade, fazendo parte do Coral Municipal Canarinhos do Itapety, que criamos quando fui prefeito. Hoje, ensina outras crianças e adolescentes, vivendo da arte. Nosso reencontro ocorreu no Centro Municipal de Formação Pedagógica (Cemforpe), durante a belíssima homenagem ao Dia das Mães, proporcionada pelas Orquestra Sinfônica Jovem de Mogi das Cruzes, sob a regência do maestro Lélis Gerson, Orquestra Sinfônica mogiana, Orquestra Sinfônica Jovem Minha Terra Mogi, Camerata de Cordas, Banda Boigy e Quarteto de Cordas. Todas evoluíram de projetos que implantamos ao longo das duas gestões à frente da Prefeitura. 
"Acho que minha expressão fala por si sobre o quanto fico emocionado
ao ver as apresentações dos nossos grupos musicais e orquestras"
  
A atual administração investiu e ampliou muito as iniciativas culturais, multiplicando também o público das manifestações artísticas. Pinço como exemplo a Virada Cultural Paulista, realizada em Mogi das Cruzes no mês passado. Foi a maior do Estado de São Paulo, reunindo mais de 40 mil pessoas nas 82 apresentações em oito locais estratégicos. A existência da Secretaria Municipal de Cultura tem papel primordial no processo de amparar todos os segmentos culturais. Seja quem for o governante, está impedido de retroceder. Veja o caso do presidente interino Michel Temer que tentou fazer a grande bobagem de acabar com o Ministério da Cultura. Voltou atrás. Felizmente. 

Ainda há muito por fazer para garantir amplo acesso do povo à cultura e às artes. Mas, quando há vontade política em sintonia com os anseios da população, o poder público desenvolve iniciativas de valor inestimável para a sociedade do presente e do futuro. É provável que ações desenvolvidas pela Municipalidade sejam inúteis para quem assiste à miséria de binóculos e se compraz em esbanjar a retórica elitista. Mas, com certeza, são reconhecidas pelas milhares de crianças beneficiadas, por suas famílias, por gente como o professor Kleber. Ou ainda por Márcio Pial, um dos muitos integrantes do hip-hop – discriminado e restrito aos guetos da Cidade até a Prefeitura abrir espaço para o movimento. Hoje, ele é celebridade, ao lado de outros tantos artistas, das mais variadas vertentes, que fazem de Mogi das Cruzes um incomparável polo produtor e irradiador de talentos. 
Junji Abe é líder rural, foi deputado federal pelo PSD-SP (fev/2011-jan/2015) e prefeito de Mogi das Cruzes (2001-2008)

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