quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Por quê negro pobre não pode?

Circulou na internet um vídeo de conteúdo deplorável sob todos os aspectos. Intitulado “Manifesto Porta na Cara – Flagrante na Agência Bancária”, a produção de 3min12seg, do Núcleo Audiovisual Circo Voador, comprova a realidade do racismo no Brasil. As cenas não se passam num recôndito povoado. Ao contrário. Foram registradas na movimentada Rua da Glória, no Estado do Rio de Janeiro. Disfarçado de sistema eletrônico de segurança, o preconceito de um ser humano contra o outro irrompe de forma cristalina. É de envergonhar qualquer pessoa decente e com um mínimo de princípios morais e éticos.

O filme mostra um rapaz branco que, portando bolsa com chaves, celular e outros itens de metal, passa tranquilamente pela porta giratória da agência bancária. A mesma bolsa é transferida para um moço negro que, ao tentar entrar no banco pela mesma porta, é barrado. Depois de tirar até a camiseta, ele não consegue vencer o bloqueio. Acesse o site www.circovoador.com.br, veja o filme e tire suas conclusões.

Infelizmente, as provas da discriminação não se restringem ao pequeno universo das portas giratórias de agências bancárias. Estão em todo lugar, sob os mais variados disfarces e níveis de crueldade. A hipocrisia de negar a existência de preconceitos no País e o fato de haver um feriado em homenagem ao Dia da Consciência Negra não muda os flagrantes abusos que se repetem no cotidiano.

Negros e asiáticos estampam senhas indicativas de suas origens. Nos primeiros, é a cor da pele. Em japoneses e chineses, são os traços orientais chamados de olhos “puxados” ou “rasgados”. Conheço bem o significado do preconceito racial. Tanto eu, brasileiro, quanto meus pais e avós – imigrantes japoneses – sentimos na carne as estocadas da discriminação. Principalmente, em função da adesão do Japão ao Eixo, como aliado da Alemanha nazista, durante a Segunda Guerra Mundial. Assim como ocorre hoje, na época, havia gente preconceituosa que hostilizava imigrantes nipônicos e descendentes em retaliação à decisão do governo japonês. Muitos nos tratavam como inimigos.

Foi quando aprendi a principal lição dada pelos meus ancestrais. Apesar das circunstâncias adversas, ensinavam – a mim e a meus irmãos – a amarmos o povo brasileiro que nos acolheu. E nos mostravam que as diferenças físicas, culturais, sócio-econômicas, quaisquer que fossem, nunca estariam acima dos valores morais e dos princípios éticos de ser humano.

Assim, incorporamos o conceito de que a igualdade, o respeito às diferenças, a justiça, a solidariedade, a gratidão e a dignidade são premissas para o direito à vida. Toda discriminação, portanto, é uma estupidez. Vou mais longe. O preconceito está além da raça, da cor da pele, do formato dos olhos, do credo, da cultura.

Acredito que o maior e mais grave preconceito existente no Brasil é o social. A discriminação contra quem é pobre ou aparenta ser é latente. Basta um pouco de observação para detectar o comportamento sectário de muitos em relação aos seus semelhantes menos favorecidos. Ou, simplesmente mal vestidos. Sim, até o vestuário e a aparência sofrem demonstrações de intolerância. Quer mais que o caso da Geisy Arruda na Uniban?

Se duvida, faça um pequeno teste. Pegue a roupa mais surrada que tiver, calce um chinelo velho, deixe os cabelos despenteados e vá a uma loja para saber como será o atendimento. Outro dia, escolha seu melhor traje, capriche na produção visual e volte à mesma loja em busca de itens idênticos. Você perceberá a mudança brutal no atendimento.
A discriminação social é muito mais rotineira do que parece. Está na loja, na agência de empregos, no transporte coletivo, na rua, nos órgãos públicos, nos bancos, em todos os cenários. Também é verdade que as práticas preconceituosas tendem a se agigantar se a pessoa é negra e pobre.

Retornando ao citado filme, pergunto: Se o rapaz negro estivesse bem vestido – terno e gravata, por exemplo –, com um bom corte de cabelo e carregando uma maleta de couro com os mesmos itens da bolsa seria impedido de entrar? Acho que não. Em outras palavras, negro rico pode.

Num País como o nosso, nascido da pluralidade racial e da diversidade de culturas, com a grande maioria dos habitantes mal ganhando para seu sustento, ser intolerante com gente pobre é o cúmulo do antagonismo. Aliás, convivo diariamente com a classe menos favorecida e devo dizer que são pessoas com quem aprendi muito mais lições de amizade, solidariedade e amor.

Acima de tudo, insisto na necessidade de ações efetivas contra a discriminação. Não falo só de penalidades legais. O respeito ao próximo – e às suas diferenças – tem de ser trabalhado pela sociedade. Isto vale para escolas, para o lar, organizações sociais, iniciativa privada e também para o Poder Público.

Cada um de nós, como cidadãos, em todas as circunstâncias que a vida nos proporciona, temos de rechaçar, de forma verbal e na prática, a discriminação de qualquer tipo e fazer valer a igualdade entre os seres humanos, lembrando que somos uma única família. Por isso, enquanto prefeito de Mogi das Cruzes, instalamos as Praças Zumbi dos Palmares e a da Mesquista (Antônio Ferri) – em homenagem à cultura afro-brasileira e à comunidade islâmica, respectivamente, além de construir o Parque Centenário da Imigração Japonesa e apoiar a realização de eventos religiosos, como a Festa do Divino Espírito Santo, dos católicos; a Marcha para Jesus, dos evangélicos; entre outras ações. Tudo, como parte das políticas públicas para valorizar nosso perfil multirracial, a diversidade cultural, as múltiplas tradições e crenças.
Junji Abe (DEM) é ex-prefeito de Mogi das Cruzes

Um comentário:

  1. Aqui na Itália o preconceito é ainda maior e com a crise econômica piorou substancialmente. Os Napolitano, Pugliese, Siciliano são discriminados assim que um italiano do norte escuta seu dialeto. Nessa semana, um jogador negro do Juventus foi vaiado por jogar mal uma partida, gritavam que um negro não poderia ser italiano. Aqui em Firenze colocaram em vigor uma lei para multar mendigos em até 400 euros, caso não pague, poderá ser preso (artistas de rua tbm serão considerados mendigos e terão os instrumentos apreendidos). Na rua é fácil encontrar refugiados africanos que se arriscaram a atravessar o Mar Mediterrâneo para não serem dissimados por tribos e governos diversos. Esses conflitos foram causados principalmente pela própria colonização europeia (Itália SÓ teria culpa pela Líbia, Somália e Etiópia) que incitava o colapso para facilitar a pilhagem de todas riquezas que esses países tinham. Agora culpam os negros, muitos analfabetos e sequer conseguem ler preços num mercado, pela crise.
    No noticiário, crime de italiano tem a chamada: Um homem, Uma pessoa, de tantos anos cometeu um crime. Se for imigrante, a chamada muda: não são mais pessoas ou humanos, são romenos e albaneses. Com isso, imediatamente absorvemos, como uma lobotomia fascista, que apenas romenos, albaneses e ciganos causam a violência.
    Também sofrem os chineses: ainda pior que no Brasil, são taxados de sonegadores de impostos e falsificadores. Muitos chegam aqui na promessa de uma vida melhor e são escravizados em galpões, forçados a trabalhar para confeccionar grifes famosas. Afinal, se não tiver a etiqueta prodotto italiano ou made in Italy ninguém pagaria mais de 1000 euros em um vestido, um terno, etc.
    Comigo e minha esposa: estudantes que vieram para passar apenas um ano aqui, com recursos financeiros próprios e maiores que da média nacional italiana, escutamos de italianos que nós somos bem-vindos, que a crise não é culpa de imigrantes como nós, mas somente de todos os citados anteriormente. Dizem que têm parentes no Brasil, esposas (e amantes) brasileiras e que amam o Brasil, um país de oportunidades, como a Itália.

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