sexta-feira, 14 de maio de 2010

Por quê esqueceram a ferrovia?

Sob qualquer ponto de vista – econômico, político e militar - o sistema de transporte é, inquestionavelmente, a atividade mais importante no mundo.

É possível afirmar, em alto e bom som, que a melhor ou pior qualidade de vida está intrinsecamente ligada ao sistema de transporte.

Detalhar, minuciosamente, todos os aspectos que envolvem o sistema de transportes torna-se inviável pelo exíguo espaço e complexidade do tema. Mas, ouso fazer considerações fundamentais sobre as políticas públicas faltantes neste nosso Brasil continental. Tal deficiência traz gigantescos prejuízos à população.

Transporte ou transportar é o exercício de deslocar, pessoas, animais, produtos ou informações de um lugar para outro. E o elementar nos seres humanos é sempre e permanentemente aprimorar tudo o que está em nosso habitat. No caso específico dos meios de transporte, implica perseguir a rapidez, eficiência, custo baixo e qualidade.

Vejam os avanços fantásticos e, tempos atrás, inimagináveis no setor de comunicações. Aliás, em 1973 protagonizei a implantação de telefonia rural nos municípios de Mogi das Cruzes, Suzano, Biritiba Mirim e Guararema, por meio de sistema cooperativado, pioneiro no Brasil. Foi uma revolução tecnológica de comunicação no campo.

Em especial, nestas duas últimas décadas, o avanço tem sido extraordinário, com alta qualidade e custo cada vez menor. Recebemos e transmitimos informações para quem e onde quer que seja de modo instantâneo. As mudanças tecnológicas carreadas pela modernidade sacodem e colocam em xeque nossa capacidade de acompanhamento. Graças a Deus! Paradoxalmente, quando de trata dos meios de deslocamento para seres humanos, animais e produtos, o que se nota é um sono profundo ou, no máximo, uma lentidão inconcebível. Mais que contraste com a cristalina evolução de outros setores, a letargia que domina o sistema de transportes é uma afronta à população. É verdade que houve avanços, mas são tão minúsculos que em nada contribuem com as necessidades reais e prementes do País.


Há os seguintes meios de transportes: HIDROVIÁRIO – FERROVIÁRIO – RODOVIÁRIO – AEROVIÁRIO – DUTOVIÁRIO. Todos fundamentais por aumentar a competição no mercado, garantir a economia de escala na produção e reduzir os preços das mercadorias. Em que pesem as peculiaridades naturais de cada país, vale observar que, pela ordem, o meio de transporte mais barato é, indiscutivelmente, o hidroviário. Em segundo lugar, vem o ferroviário que custa quatro vezes menos que o rodoviário. Já o aeroviário é o mais caro.

Longe de mim pregar que só interessa ao Brasil o transporte hidroviário, porque é o mais barato. Afinal, concentrar os deslocamentos numa única modalidade é o cúmulo do contrassenso em razão de diferentes distâncias, características dos produtos, prazos e outros fatores.

O ideal é o modelo misto ou intermodal, que consiste na utilização planejada dos serviços integrados de mais de um modo de transporte, de acordo com as necessidades do mercado e peculiaridades da carga. Ou seja, ferro-rodoviário, ferro-hidroviário, ferro-aeroviário, ferro-dutoviário, rodo-aéreo, rodo-hidroviário, rodo-dutoviário, hidro-dutoviário, hidro-aéreo e aero-dutoviário.

No Brasil, as combinações de serviço integrado no transporte passam longe do interesse público. A realidade nacional está na contramão do desenvolvimento. Aqui, o modo rodoviário concentra 54% dos deslocamentos, enquanto o ferroviário detém parcos 21% e o hidroviário responde por apenas 17%. É um cenário de arrepiar qualquer técnico em logística.

Em outras grandes nações, as combinações são bem diferentes. Nos Estados Unidos, o modo rodoviário detém apenas 25%, o ferroviário lidera com 50% e os 25% restantes cabem ao hidroviário. No Canadá, são 13% por rodovias, 52% por trem e 35% pelas hidrovias. A Rússia opera com somente 4% pelo modo rodoviário, deixando 83% a cargo dos trens e 13% pelas hidrovias. Na França, pela ordem, a distribuição é assim: 28% (rodoviário), 55% (ferroviário) e 17% (hidroviário). A Alemanha segue a composição 18%, 53% e 29%.

É revoltante saber dessa triste realidade e angustia-me a impotência no enfrentamento da grave situação. Mas, omissão jamais. Como escreveu Joaquim Osório Duque Estrada na composição do Hino Nacional Brasileiro: “Verás que um filho teu não foge à luta”. Pinço a frase, com energia e orgulho, para batalhar de todas as formas e até a última instância com o objetivo de mudar os rumos do sistema de transporte neste País, buscando a utilização racional dos serviços integrados no deslocamento.

Vejam a situação insustentável da malha viária brasileira. Tem uma estrutura absurdamente desproporcional à frota de veículos, que cresce a cada dia com novos carros chegando às ruas. O resultado não poderia ser outro, senão o caótico congestionamento. Pior, o trem e o metrô não recebem a prioridade que merecem do Poder Público para serem melhores e mais eficientes a ponto de conquistarem a preferência dos passageiros. Quem anda de carro, amarga engarrafamentos, gastos e revolta. O usuário de ônibus sofre com os atrasos diários, acumula mau humor, indignação, tempo e descanso perdidos.


Quem planta soja em Mato Grosso, Goiás e outros rincões do País tem como aliados terra fértil e clima adequado. No entanto, paga muito mais caro por sementes, fertilizantes, defensivos e outros insumos. Tudo, por causa dos milhares de quilômetros que a carga viaja pelas rodovias. O impacto dos fretes exorbitantes não pára nas lavouras. Por falta de hidrovias e ferrovias, a safra colhida faz o caminho inverso a bordo de caminhões e todo dinheiro gasto neste vai e vem pelas estradas acaba indo para a conta do consumidor na hora em que ele compra o produto final.

Enquanto as autoridades constituídas, acomodadas em gabinetes com ar condicionado, não tomam as devidas providências, a população paga o pato. Consumidor, agricultor, industrial, comerciante, gente de todos os setores produtivos arca com custos cada vez maiores. Quando o empreendedor não suporta, vem a insolvência e, junto com ela, mais desemprego.

Repito: não é possível que os governantes desconheçam que o Brasil tem dimensão continental – ideal para ferrovias, há rios e mais rios – sob medida para hidrovias e a população urbana cresce geometricamente – digna de todo respeito.


A gloriosa história nacional dos transportes hidroviário e ferroviário remonta a 29 de maio de 1852, quando o empresário Irineu Evangelista de Sousa, o Barão de Mauá, constituiu a Imperial Companhia de Navegação a Vapor e Estrada de Ferro de Petrópolis, no Estado de Rio de Janeiro. Em 12 de junho daquele ano, o Governo Imperial concedeu-lhe, por meio do Decreto nº 987, o direito de construção e exploração dos transportes hidro-ferroviário.

Durante quase um século, de 1852 a 1950, o incontestável desenvolvimento do Brasil – notadamente, no Estado de São Paulo – deve-se ao transporte ferroviário. As grandes cidades de hoje, com distância média de 400 a 600 quilômetros da Capital paulista, nasceram da implantação das famosas e históricas estradas de ferro: Mogiana. Sorocabana, Paulista e Rondon. Foi assim com Ribeirão Preto, Presidente Prudente, Marília e Araçatuba, entre outras. Maior que a saudade é o inconformismo com o total desmantelamento dessas linhas férreas.

É imprescindível mudar o quadro. Custe o que custar. Sobejamente, este Brasil é imbatível e invejável enquanto País, porém, num mundo globalizado, esses requisitos não bastam. Temos de protegê-lo com corpo, mente e alma, tirando sábio proveito das dádivas divinas que são as riquezas naturais.

Com empenho, convicção e mobilização popular, precisamos forçar novo direcionamento para investimentos que vêm dos impostos, portanto, do bolso do povo. É vital exigir a imediata prioridade na implantação de estradas de ferro para transporte de cargas e passageiros, como também de estruturas hidroviárias. Isto implica, paralelamente, reduzir a voracidade de grandes organizações que, mancomunadas com maus brasileiros travestidos de autoridades públicas, só pensam, planejam, agem e concretizam gigantescos projetos no sistema de transporte rodoviário. Só têm olhos para rodovias porque é onde faturam bilhões e bilhões de dólares para satisfazer os próprios interesses; não os do Brasil e muito menos os dos brasileiros.
Junji Abe (DEM) é ex-prefeito de Mogi das Cruzes

2 comentários:

  1. cade as definições das combinações dos modais?

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  2. Junji Abe, parabéns pelo artigo! Sempre me incomodou no Brasil a falta de ferroviais e, nós que moramos em Bertioga, o transporte hidroviário, por mar ou pelo Canal de Bertioga. Prof. Augusto, de Bertioga.

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