Não bastasse o crescente aumento da violência em todo o País, a criminalidade vem ganhando uma nova e potente aliada: a escuridão. É efeito direto da perversa decisão da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) de transferir para os municípios a responsabilidade pela manutenção da iluminação pública. Desde o início do ano, quando a imposição entrou em vigor, multiplicam-se os casos de cidades às escuras.
As dificuldades para assumir a obrigação imposta pelo governo federal são maiores quanto menor é o orçamento da cidade. Se a situação já é calamitosa para municípios do Estado de São Paulo – o mais rico da Federação –, imagine a tragédia financeira em prefeituras mais pobres.
Em média, cada cidade de 20 mil até 30 mil habitantes tem 3 mil pontos de iluminação, com custo unitário estimado de R$ 10,00 por mês – incluindo o consumo –, que poderá chegar a R$ 18,00 por unidade, se houver necessidade de manutenção ou substituição de equipamentos. Num cálculo rápido, a prefeitura tem despesa anual superior a R$ 600 mil. Considere bem mais, porque os valores são de 2013 e engordam bastante com a galopante correção inflacionária.
Além disso, ao assumir o encargo, a prefeitura recebe conjuntos luminotécnicos (postes, lâmpadas, cabos condutores e reatores, etc) usados, já gastos e com grande probabilidade de precisarem de substituição ou manutenção. O contribuinte pagou pelos equipamentos novos, mas a municipalidade recebe itens corroídos e tem de arcar com as reposições.
Como bancar mais essa conta com os cofres públicos minguados? A norma da Aneel ignorou o contexto da economia nacional e seus efeitos sobre as cidades, já sacrificadas com o repasse do menor percentual (10% a 15%) do bolo tributário arrecadado no País. A União fica com 65% do montante, enquanto os estados levam de 20% a 25%.
As cidades já sofrem com a herança macabra da política adotada pelo governo, que desonerou produtos e serviços, derrubando vertiginosamente os repasses para os municípios. Nada menos que 3,2 mil prefeituras não haviam conseguido fechar suas contas em 2013. Como mais um presente de grego, veio a municipalização da iluminação pública.
Para assumir o encargo, a prefeitura tem duas alternativas: colocar seu próprio pessoal para cuidar dos serviços, o que é impossível porque não tem profissionais qualificados; ou contratar uma empresa para a missão, o que não é de graça. Mesmo em sistema de consórcio, centenas de cidades não têm como arcar com essa responsabilidade.
"Passei boa parte do mandato na Câmara Federal insistindo na revogação da norma da Aneel" |
Passei boa parte do mandato na Câmara Federal insistindo na revogação da norma da Aneel. Houve até uma audiência pública. Representantes do governo se limitaram a sugerir que as prefeituras aprovem projeto nas câmaras municipais e criem a CIP (Contribuição para Custeio da Iluminação Pública), a fim de obter a receita necessária à manutenção do serviço. Em outras palavras, joguem a conta no bolso do munícipe.
O risco das cidades às escuras, que repisei tantas vezes, foi ignorado. Tudo o que conseguimos foi adiar a vigência da obrigação: de janeiro para dezembro de 2014. As resoluções (414/2010 e 479/2012) da Aneel desrespeitam a autonomia dos municípios e permitem que a agência legisle sobre assunto que não é de sua competência. Já existem mais de 300 ações na Justiça dando ganho de causa em primeira instância às pequenas prefeituras. Nossa Mogi das Cruzes também buscou o amparo judicial, fazendo de tudo para não assumir o imbróglio e acabou forçada a criar a CIP.
No atual cenário, a única esperança é o Senado aprovar o Projeto de Decreto Legislativo (PDC) 1428/2013, que suspende os efeitos das resoluções que passaram para os municípios a responsabilidade pela iluminação pública. Já aprovada pela Câmara dos Deputados, a proposta só depende do aval dos senadores para ser promulgada e começar a valer. O problema é o tempo. Com a urgência focada no ajuste fiscal, é provável que demore. Até lá, a escuridão terá galgado espaços bem maiores.
Junji Abe é líder rural, foi deputado federal pelo PSD-SP (fev/2011-jan/2015) e prefeito de Mogi das Cruzes (2001-2008)
Crédito da foto: Arquivo/Cláudio Araújo
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