quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Sede de vida

A semana começou com a notícia de que metade da população das grandes cidades brasileiras concorda com a afirmação de que “bandido bom é bandido morto”. O resultado foi extraído da pesquisa Datafolha, realizada no final de julho por encomenda do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, ONG que reúne especialistas em violência urbana do País.

Muito comentado nas redes sociais, o levantamento despertou reações das mais diversas. De um lado, manifestações de quem acredita que o instituto encontrou um número muito modesto de adeptos do tal olho por olho, diante da insegurança generalizada instalada no Brasil. De outro, gente que se espantou com a sede de matança porque não concorda com a pena capital. 

Por ser predominantemente um povo cristão e com grande miscigenação, o brasileiro sempre foi mais tolerante em comparação com outros de países mais distantes e até melhor posicionados sob o aspecto econômico. 

À medida em que os governos mostram-se ineficazes para cuidar da segurança pública, multiplicam-se as ocorrências criminais, impulsionadas pelo crime organizado e pelo crescente tráfico de drogas. E, com elas, a tendência de aflorar no cidadão comum seu instinto animal de proteger sua prole e território a qualquer custo. Mesmo que isto signifique amordaçar a civilidade para apregoar o extermínio de quem quer que lhe pareça uma ameaça.

Chega-se num ponto em que o ser humano deixa de rosnar e parte direto para a mordida voraz, disposto a estraçalhar. É o efeito da ausência ou ineficiência de políticas públicas de ordem social, educacional e cultural. Por mais que se aplauda o regime democrático – ou algo próximo vigente no País –, o fato é que a batalha contra a intolerância já começa perdida.

Para que se possa começar a combater o instinto animal de atacar continuamente, é necessário trazer os índices de violência a limites plausíveis. É preciso romper a sequência de crimes, que expõe a pessoa ao thriller ininterrupto de terror, porque o medo é o parente mais próximo da agressão. 

Ao longo do tempo e, em especial, nas últimas três décadas, o Brasil vem perdendo as referências e exemplos de conduta. Falo de grandes lideranças, de todas as áreas, com trajetória ilibada, convicção moral e ética insuspeita. Elas foram minguando até deixar de irradiar lições a serem seguidas. 

Ocorre que já se faz tarde a reconstrução moral da sociedade brasileira. Se a missão começar agora, é trabalho para uma geração inteirinha. Mas, precisa ter início. Requer, sim, ensino de qualidade, com difusão da prática da cidadania, e acesso gratuito às diversas modalidades culturais. Paralelamente, exige esforços permanentes no lar para o resgate de valores morais, assim como dos conceitos de certo e de errado. Família, religiosidade – qualquer que seja o credo –, educação e cidadania são a base para uma sociedade mais justa, solidária e fraterna.

Dentro do atual contexto, mais importante do que promover as reformas estruturais e reconduzir o Brasil para a trajetória de desenvolvimento econômico, é reconstruir a sociedade brasileira sob os pilares da civilidade e do respeito ao próximo. É fácil clamar por pena de morte e fazer ode aos justiceiros. Mas, é justo? 

Por um minuto, ponha-se no lugar das famílias que perderam seus parentes em chacinas. Enquanto houver um inocente morto por quem resolve fazer justiça com as próprias mãos – policial ou não –, é prova de que a matança está fadada ao fracasso. 

Não é só. Sou apoiador irrestrito do princípio constitucional de que todos são inocentes até prova em contrário, confirmada até o nível máximo do Judiciário. Quem cometeu um delito, qualquer que seja, precisa ser punido. Mas, não exterminado. Sou cristão e nunca vou concordar que se tire a vida de alguém. Em sã consciência, alguém acredita que não haverá – como tem havido – condenações equivocadas de gente inocente?

Ao apoiar a tese do olho por olho, dente por dente, a sociedade caminha por uma estrada sem volta, onde só restarão banhos de sangue. Vejam as catástrofes que já acontecem por intolerância, preconceito e ódio de todo tipo.

"Cultivemos a força da fé e a pureza da alma infantil
que vive em cada um para aprendermos a ter sede de vida." 
É imperioso cuidar do maior capital do ser humano que são suas próprias sensibilidade e capacidade de discernir o certo do errado. Assim como um animal, quando acuada, a pessoa perde a racionalidade. Como brasileiros, estamos acuados com tudo. Mas, precisamos reagir. E buscar em nós mesmos os meios de enfrentar as dificuldades. Com mais amor, mais fé e menos de vontade de morder.

Invoco o feriado da Padroeira do Brasil para uma reflexão sobre os rumos que traçamos para as gerações futuras. Que Nossa Senhora Aparecida nos mostre o caminho para ajudar a reconstruir a sociedade. Comecemos a nova semana de um jeito melhor: no dia 12 de outubro, que também é o da Criança, cultivemos a força da fé e a pureza da alma infantil que vive em cada um para aprendermos a ter sede de vida. Não de morte.

Junji Abe é líder rural, foi deputado federal pelo PSD-SP (fev/2011-jan/2015) e prefeito de Mogi das Cruzes (2001-2008)

Nenhum comentário:

Postar um comentário