quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Lama da morte

É de chorar. Não há consolo para a hecatombe que já matou 13 pessoas, deixou 11 desaparecidas quase um mês depois, desabrigou centenas de outras, dizimou milhares de espécies animais e vegetais, condenou recursos naturais e comprometeu a biodiversidade de tal forma que não há previsão de recuperação nem para as gerações futuras. Pior. Os estragos ainda não foram contidos. Multiplicam-se com celeridade ampliando o rastro de destruição para a natureza e para a população. No meio urbano, o caos do desabastecimento – de água, de alimentos, de tudo –; na zona rural, o fim da subsistência de produtores que estão perdendo suas plantações e seu gado porque já não há água e nem pasto. 

O rompimento da barragem em Mariana (MG), catalogado como o maior desastre da indústria de mineração no País, desencadeou o tsunami de lama que matou o Rio Doce. E, junto, a fonte de vida de pessoas, animais e vegetais, ligados direta ou indiretamente a ele. Espalhou-se um volume estimado de 40 bilhões de litros de lama, o equivalente a 16 mil piscinas olímpicas (cada uma comporta 2,5 milhões de litros). O material está contaminado por alumínio, ferro, cobre, manganês, cádmio, chumbo e mercúrio. Devastou cidades mineiras, já atingiu o litoral do Espírito Santo e pode chegar à Bahia. 

"Assistimos, atônitos e agoniados, à jornada da lama da morte"
Assistimos, atônitos e agoniados, à jornada da lama da morte, sem ver os responsáveis pela tragédia – Samarco, mineradora da Vale e da empresa anglo-australiana BHP Biliton – adotando medidas para reverter a contaminação. E também para evitar novas ocorrências, considerando que outras duas barragens (Santarém e Germano) ainda têm risco de estourar. Igualmente, não há sinal de punições à altura da gravidade da tragédia. A multinha aplicada é risível. Cadeia? Nem pensar. Em outras nações, acidentes de menor proporção teriam desencadeado ordem imediata de ações saneadoras e prisões em série.

Aqui no Brasil, tudo que se sabe é que não se sabe o que causou a ruptura da barragem do Fundão. Embora caríssimos, existem tratamentos para minimizar os impactos da contaminação. Porém, não serão levados adiante por conta da pasmaceira do poder público frente à tragédia anunciada de Mariana. Sim, porque fiscalização e denúncias apontavam os riscos de rompimento do reservatório de rejeitos da exploração de minério de ferro. Porém, nada foi feito. Ficou tudo nas rédeas do destino. Aliás, assim tem sido, sucessivamente, ao longo da história nacional. Apesar das desgraças, perduram a imprevidência e a impunidade. 

Ou alguém duvida do quão conveniente é escolher o Brasil para lidar com atividades desse gênero – rejeitos (=lixo) da exploração de minério de ferro –, que apresentam altos riscos à saúde e ao meio ambiente? Primeiro, a fiscalização varia de nula à deficiente. Segundo, se algo dá errado, o prejuízo financeiro da empresa é ínfimo, comparado ao custo socioambiental dos danos. E fica nisso. 

Não por menos, há situações emblemáticas na Região do Alto Tietê, como a explosão do lixo depositado no aterro sanitário da Pajoan, em Itaquaquecetuba, quatro anos atrás, ou o rompimento, em 2010, do duto de combustíveis da Transpetro, na Volta Fria, em Mogi das Cruzes. Em ambos os casos, o passivo ambiental persiste, sem que a aplicação de multas tenha forçado sua eliminação. 

O que se faz é tentar apagar incêndio ou botar tranca depois da porta arrombada. Por exemplo, no caso mogiano, enquanto deputado federal, cobramos, seguidas vezes, providências da Transpetro para resgatar o bem-estar das famílias e acelerar a remediação dos danos ambientais. Nada funcionou. Até apresentamos projeto de Lei (5508/2013) para forçar a prevenção de rompimento de dutos de combustíveis. Quando deixei a Câmara, em janeiro último, a proposta foi arquivada. 

Enquanto o poder público no Brasil continuar cúmplice da política do descaso com a sociedade, praticada por empresas que mantêm atividades geradoras de risco socioambiental, estamos fadados a conviver com ameaças de reprises de tragédias. Até que o destino resolva consolidá-las. Se nada mudar, não tardará para que outras hordas de lama da morte cubram o território nacional, aumentando a conta do descalabro para as gerações futuras. 

Junji Abe é líder rural, foi deputado federal pelo PSD-SP (fev/2011-jan/2015) e prefeito de Mogi das Cruzes (2001-2008)

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