quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Consciência coletiva

Era uma tarde de março de 2005. Desabou água em Mogi das Cruzes. Em apenas duas horas, o índice pluviométrico ficou em 60,5 milímetros, segundo o DAEE (Departamento de Águas e Energia Elétrica). Foi o bastante para transbordar o único piscinão da Cidade, derrubar muros de escolas, alagar toda a área central e bairros periféricos. Aquela enchente foi considerada a maior dos últimos 50 anos. Era o retrato do caos. Comandava a Prefeitura e cheguei a decretar situação de emergência no Município. 

As tragédias também trazem lições. Pela primeira vez, a Cidade teve um Plano Diretor de Macrodrenagem. Realizado por técnicos da Fundação Centro Tecnológico de Hidráulica e Recursos Hídricos, o estudo indicou a necessidade de mais quatro piscinões, com capacidade para armazenar 230 milhões de litros de água. Trata-se de investimento altíssimo e difícil de viabilizar. Mas, é eficaz. Desde a implantação do primeiro reservatório, no Parque Santana, foi possível evitar quase todas as inundações na região central. 

O plano também recomendou uma série de canalizações, reconstrução de pontes – dez, no Córrego dos Canudos; quatro, no Ribeirão Ipiranga; uma, no Córrego dos Corvos, etc... – alargamento e aprofundamento da calha do Ribeirão Ipiranga e outras. Executamos a maior parte das medidas descritas ao longo dos dois mandatos como prefeito.

Além dos trabalhos concluídos, elaboramos os projetos, submetemos aos órgãos federais e obtivemos a liberação, via Caixa Econômica Federal, de recursos da ordem de R$ 70 milhões, a fim de que meu sucessor pudesse dar continuidade às ações de recuperação de áreas degradadas visando o combate às enchentes. É o que o prefeito Marco Bertaiolli (PSD) vem fazendo e ampliando providências.

Mantendo os investimentos nesse ritmo, sem parar, creio que, daqui a 20 anos, os passivos ambientais de grande porte estarão superados em Mogi. É um conjunto de ações que têm de ser implementadas pelo bem da sociedade, independente de quem esteja no governo.

É preciso ter em mente que as enchentes ou a crise hídrica são consequências dos malfeitos ao meio ambiente. Dentre tantas agressões à natureza, a ocupação das áreas de várzeas – em parte, ocorrida com amparo legal; em parte, derivada de invasões – é a mais grave por trazer efeitos dramáticos aos ocupantes e prejuízos aos habitantes de regiões vizinhas. É um erro crasso admitir edificações e permanência humana em áreas de várzea e de risco, como encostas íngremes.

O poder público tem de tomar providências cabíveis para as remoções. Apenas as leis mais recentes protegem amplas áreas de várzea de qualquer tipo de ocupação. Portanto, aqueles que se instalaram por força de antigas disposições legais precisam ser indenizados para deixar o local. Já os invasores – em sua totalidade, famílias de baixíssima renda – devem ser transferidos para moradias da CDHU e de programas como o Minha Casa Minha Vida, como começamos a fazer neste século. 

Após tragédias, quase diárias, neste início de verão, a comoção e solidariedade aos desabrigados – vítimas de perdas totais ou parciais – e, notadamente, às famílias enlutadas, são legítimas. A ajuda brota do seio da sociedade e as autoridades constituídas adotam medidas emergenciais. As feridas, porém, jamais vão se cicatrizar.

"Não há como corrigir, em alguns anos, um histórico
de violência contra a natureza que se perpetua por séculos."
Não há como corrigir, em alguns anos, um histórico de violência contra a natureza que se perpetua por séculos. Além da consciência cívica coletiva para proibir novas agressões e congelar, por completo, a ocupação das várzeas e áreas de risco, assim como a degradação do meio ambiente, cabe à sociedade em parceria com o poder público, diminuir, ano a ano, o grande passivo ambiental.

Significa que cada um tem de fazer a sua parte. Cabe ao poder público adotar todas as medidas saneadoras e de prevenção às inundações, incluindo gestão adequada do lixo, de abastecimento de água tratada, de coleta de esgotos e de tratamento dos efluentes antes do lançamento nos cursos d’água, monitoramento eficiente de áreas de várzeas e de risco, entre outras. 

Também cabe à cada cidadão de bem contribuir com esse propósito. Nunca é tarde para frear maus hábitos, inclusive os quase sempre involuntários, como desperdiçar água ou jogar lixo na rua. A sujeira vai para bueiros e bocas de lobo, fazendo qualquer chuva virar causa de enchentes. É preciso exercitar a cidadania e ter consciência de cuidar melhor daquilo que é de todos. Em especial, em tempos de emergência de saúde pública mundial, protagonizada pelo combate ao Aedes aegypti.

Junji Abe é líder rural, foi deputado federal pelo PSD-SP (fev/2011-jan/2015) e prefeito de Mogi das Cruzes (2001-2008)

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