quinta-feira, 21 de julho de 2016

Gente de verdade

O avanço da tecnologia é importante e, claro, irreversível. Porém, há tempos, constato e sinto o desconforto de falar com gravações ao telefone. Igualmente, a imposição de digitar números para fazer manifestações e ter como resposta a frieza de áudios prontos aumenta a carência de tratamento personalizado em todas as atividades, que incluem os serviços públicos e privados. O mesmo sentimento cresce quando o retorno para uma mensagem eletrônica se limita à resposta automática de que o assunto será avaliado e haverá contato em breve. Isto não ocorre, na maioria das vezes. É a prova cabal de que nossa opinião e nós mesmos não temos a menor importância para o prestador dos serviços. 

Pinço o exemplo das empresas de call center. Quando chegaram, receberam aplausos. Parecia que, finalmente, seríamos ouvidos e teríamos solução para os problemas apresentados. Ledo engano. A novidade e a satisfação foram dando lugar ao distanciamento, à impaciência e, de alguns anos para cá, até à revolta. Descobrimos que não queriam nos ouvir. Muito menos resolver as pendências que levávamos. 

As empresas de call center perseguiam a meta de vender os produtos e serviços dos empreendimentos contratantes. Assim, ninguém para cuidar dos nossos pedidos e reclamações. Cada ligação continuou tratada com desleixo e respostas prontas, além de forçar o reclamante a esperar na linha por tempo indeterminado, ser transferido indefinidamente para sucessivos atendentes, anotar dezenas de protocolos de atendimento e, enfim, ouvir o sinal de queda da chamada. O recado é cristalino: Quer reclamar? Faça tudo de novo. 

Desde 2014, existem regras que, por exemplo, obrigam operadoras de telefonia, internet e televisão por assinatura a ligarem de volta para o cliente se a ligação cair durante o atendimento. Na prática, apenas mais motivos de reclamação por descumprimento em órgãos de defesa do consumidor. Permanece a postura de dificultar ao máximo nossas manifestações. Por outro lado, a insistência em nos procurar para tentar vender algo é brutal. Ligam em casa, no trabalho, no celular, mandam e-mails, mensagens nas redes sociais, fazem de tudo. 

O contexto só amplia nossa indignação. Sentimos a violação de privacidade. Além de sermos acionados enquanto estamos ocupados ou indispostos, tratam de assuntos que não nos interessam. Nunca das pendências que levamos. A contrariedade com o telemarketing e suas ramificações, processados por pessoa ou máquina, é maior junto ao público com mais de 50 anos. E cresce à medida que a idade aumenta. Sim. Ficamos menos tolerantes com banalidades. 

217 bilhões de dólares é o quanto custou, no ano passado, o mau atendimento de empresas brasileiras. O Brasil é um dos líderes mundiais no ranking de prejuízos causados pelo desleixo com a clientela. A pesquisa é da consultoria Accenture e considera clientes frustrados com o serviço ruim. Significa que quase 9 em cada dez migraram para a concorrência em áreas como telefonia, bancária e planos de saúde. 

A pesquisa também traz dados interessantes sobre o que quer o consumidor brasileiro. Em primeiro lugar, deseja tratamento personalizado: 68% preferem contato com um ser humano para solucionar uma demanda. Não por menos muitos enfrentam filas para pagar conta na boca do caixa em vez de usar o terminal eletrônico. 

Embora 34% digam que a via digital é sua primeira opção para chegar a uma empresa, o ambiente impessoal das telas de celulares e teclados de computadores tornou-se uma ameaça para boa parte das empresas. Em especial, para aquelas que só se preocupam em oferecer ferramenta digital a consumidores sem esse perfil. 

O empresariado tem na pesquisa uma lição elementar: é vital ser eficaz na solução de problemas. A competência para lidar com as demandas da clientela garante não apenas a satisfação (e manutenção) do cliente, mas também a grande possibilidade de conquistar outros. Isso porque o boca a boca é de longe o melhor canal para propagar informações. 

No Brasil, o boca a boca funciona mais que redes sociais, propaganda na TV ou sites institucionais. Significa que o comentário de amigos e conhecidos tem influência decisiva sobre os consumidores. Assim, podem aderir a um produto ou abominá-lo para todo sempre. A eficácia do canal vale tanto para disseminar novidades como para demonizar serviços. 

Cabe lembrar que 79% dos entrevistados na pesquisa dizem ser frustrante lidar com companhia que não facilita o diálogo. E ainda que 62% não voltam para a antiga prestadora depois de migrar para a concorrência. Perdeu, perdeu. Talvez os dados deem ao empresariado brasileiro bons motivos para rever conceitos e oferecer ao consumidor um item sucessivamente negligenciado: atenção. 
"Num mundo cada vez mais automatizado e menos
autêntico, as pessoas se ressentem do bom e velho papo."

Num mundo cada vez mais automatizado e menos autêntico, as pessoas se ressentem do bom e velho papo. Querem falar com gente de verdade, capaz de entender, de ter empatia, de tratar do problema. Como ser sociável, o humano busca a boa conversa, o diálogo, o respeito. Já ensinava Charles Chaplin, na década de 1940: “Mais do que máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que inteligência, precisamos de afeição e doçura.” #ficadica

Junji Abe é líder rural, foi deputado federal pelo PSD-SP (fev/2011-jan/2015) e prefeito de Mogi das Cruzes (2001-2008)

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