sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Jeito natural de nascer

Vejo com tristeza o ávido crescimento da taxa de cesarianas no mundo. Na contramão das recomendações do Poder Público e de instituições representativas da classe médica, cada vez mais mulheres buscam o parto cirúrgico em vez do método natural. Há argumentos dos mais variados. Um deles remete à maciça participação feminina no mercado de trabalho com o ilusório conceito de que a cirurgia exigiria da parturiente menor tempo de repouso. Outros estão associados ao incentivo de muitos médicos que alardeiam vantagens como ausência de dor, menor sofrimento e o planejamento do parto, com dia e hora marcados.

Recente estudo divulgado pela ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) mostra que a taxa de cesarianas subiu na rede privada brasileira. Atingiu 84,5% no ano passado contra os 79% registrados em 2004. Já no setor público, a média nacional gira em torno de 31%. No Estado de São Paulo não é diferente. Em todas as regiões paulistas, a proporção de partos cesarianos supera – e muito – o máximo de 15% recomendados pela Organização Mundial de Saúde.

Não sou médico. Mas, como gestor público que fui quando comandei a Prefeitura de Mogi das Cruzes – Região Metropolitana de São Paulo, o nível de atenção à saúde da mulher foi um dos pontos que mais me chamou a atenção. Durante as reuniões do Plano de Governo Participativo – elaborado em conjunto com a população – ouvimos depoimentos chocantes, como o de Maria: 27 anos, seis filhos, o sétimo a caminho e nunca fizera exame de prevenção do colo do útero. A filha mais velha, de 14 anos, entrara no quinto mês de gestação sem ter passado por um único exame pré-natal.

Por quê? Nas palavras de Maria, confirmadas por outras centenas de mulheres, uma consulta com ginecologista parecia quase tão difícil quanto enfrentar as dores do parto. E se a criança já não tinha assistência no ventre da mãe, também não receberia cuidados adequados depois de nascer. Não por menos, a cada mil bebês que nasciam com vida, 44 morriam antes de completar o 1º ano. Esta era a realidade em 1999. Bem mais que dados afrontando as políticas vigentes na área da saúde, a morte dessas crianças torturava famílias, frustrava sonhos e violentava a dignidade do ser humano, transformando nascer e viver numa missão de alto risco. A mulher – gestante, lactente, mãe –, sofria as agruras de quem está no centro do redemoinho, à mercê da sorte.

Assumimos a Prefeitura em 2001 com uma filosofia de governo alicerçada na qualidade de vida dos moradores. Significa que o ser humano vem em primeiro lugar. É nele que está o foco. Tudo mais tem de ser ajustado a esse propósito. Fique claro que os cuidados começam quando ele ainda está na barriga da mãe. E se estendem ao longo de sua existência. São conceitos de prática obrigatória em todas as áreas da Administração Municipal.


Desinformação da população, precariedade do saneamento básico, inexistência ou baixa oferta de exames de diagnóstico e deficiências estruturais da rede municipal de saúde – escassez de profissionais e de equipamentos – emergiam como os principais fatores a serem atacados. Essas falhas do sistema municipal de saúde vitimavam, principalmente, a mulher. É ela quem vive o drama da gravidez não ou mal assistida. É ela quem assume a maior e mais importante parcela de responsabilidade pela criação dos filhos. É ela quem orienta e monitora as ações cotidianas em casa. É ela o agente da formação e transformação de hábitos.

Esses e outros motivos tornaram cristalino o fato de que qualquer avanço em saúde depende da qualidade do atendimento à mulher. Daí, o motivo da revolução levada adiante pela Prefeitura. Reorganizamos a rede municipal, otimizamos recursos existentes, ampliamos e aperfeiçoamos o atendimento, a frota de ambulâncias e, em especial, o time de profissionais. Por exemplo, em pouco mais de um ano, o número de ginecologistas subiu de 16 para 40; e o de pediatras, de 28 para mais de 60.

O pacote de medidas incluiu o reforço dos programas de vacinação, a instalação do Laboratório Municipal de Análises Clínicas e sete unidades do Programa Saúde da Família. Não bastasse, desenvolvemos um novo conceito de assistência à população feminina, materializado na operação do Pró-Mulher. Junto com ele, veio uma bateria de benefícios. Desde a completa assistência Pré-Natal até programas dirigidos à gestação de alto risco, passando pelo combate às carências nutricionais planejamento familiar para evitar a gravidez precoce e saúde bucal para gestantes e bebês. Ao mesmo tempo, instalamos o Comitê de Investigação de Óbito Materno-Infantil.


Investimos mais. Lançamos a segunda unidade do Pró-Mulher, implantamos o Pró-Parto, o Promeg (distribuição gratuita de medicamentos), o Pró-Criança e o Programa Saúde na Comunidade – que leva um mutirão de serviços aos bairros onde não há unidades de saúde –, entre dezenas de outros.

O município também assumiu as ações básicas de Vigilância em Saúde, com destaque para os trabalhos de orientação e campanhas de prevenção. Em 2006, Mogi ganhou um Centro de Controle de Zoonoses, dotado de tecnologia de ponta e classificado como um dos mais modernos do País. A estrutura permitiu, por exemplo, a inédita campanha de esterilização gratuita de cães e gatos, além da vacinação em massa. Até 2000, sequer tinha veterinários na rede.


É bom citar que reativamos a produção conjunta entre as três esferas de governo que movimentam as engrenagens da saúde pública. O Estado concluiu a ampliação do Hospital Luzia de Pinho Melo. Já o trabalho integrado entre governos e sociedade viabilizou o processo de recuperação da Santa Casa. Quanto maior a sinergia entre esses parceiros, melhor a produtividade e maiores os dividendos da população.

Mortalidade infantil cai 47%

O conjunto de ações repercutiu sobre as taxas de mortalidade materna e infantil. Em 2002, o indicador já havia caído de assombrosos 21,5, do ano 2000, para 17,3 por mil nascidos vivos. Em 2005, ficou em 12,9 mortes a cada mil nascimentos. Pela primeira vez na história, o município teve menos mortes de bebês que a média registrada no Estado (13,5). Dados da Fundação Seade mostram queda de 47% nos últimos nove anos. O ano de 2008 terminou com 11,3 mortes, índice que pode ser comparado aos de países do Primeiro Mundo. É lógico que ainda não estamos satisfeitos. Todos os esforços perseguem o ideal de zerar a mortalidade infantil e materna.

Ao mesmo tempo, cresceu o número de gestantes adeptas do parto normal em relação àquelas que recorrem à cesariana. Agora, nossas expectativas se voltam para a continuidade das ações que revolucionaram o jeito de lidar com a saúde do povo. E que dão bons frutos. É preciso manter ativos as campanhas de conscientização e os esforços coletivos para reduzir a taxa de cesarianas no Brasil. A meta é que cada vez mais mulheres optem pelo método natural. E tenham toda assistência para sustentar esta escolha. Tanto no sistema público quanto na rede privada.
Junji Abe (DEM) é ex-prefeito de Mogi das Cruzes

Um comentário:

  1. Caro Junji, acredito que ainda faltam ações de conscientização e incentivo ao parto normal. A ida do Pró Parto para a Santa Casa de Mogi, sob o novo nome de Programa Mãe Mogiana pode ter contribuído para a redução de cesarianas do hospital, porém os índices continuam acima da média nacional, infelizmente. Quanto ao parto humanizado...
    Parabéns pelo artigo.
    José Luiz Furtado

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