sexta-feira, 2 de julho de 2010

Apito com tecnologia

Bola cruza a linha do gol, mas o trio de arbitragem não vê. Ingleses pagam o pato. Jogador em posição de impedimento faz a rede balançar e gol irregular é validado. México sofre as consequências. São apenas os dois episódios mais recentes de erros crassos de árbitros em partidas de futebol. Tudo para o mundo inteiro ver e rever. Em plena Copa do Mundo, nos jogos pelas oitavas de final. Aos times derrotados, restou a eliminação com a frustrante volta antecipada para casa. A nós, pobres mortais, resta a pergunta: por quê a Fifa ainda resiste em usar a tecnologia no futebol para evitar tantas trapalhadas no apito?
Daí, após os fiascos em campo, o presidente da Fifa Joseph Blatter vem a público pedir desculpas pelos erros de arbitragem. Ora, depois que inventaram o pedido de desculpas nunca mais mataram ninguém, não é mesmo? O sujeito mata e, em seguida, pede perdão. No meu humilde entendimento, não é assim que as coisas funcionam. Pior é o mandatário da federação mundial dizer que irá “reabrir o processo” sobre a tecnologia de vídeo em uma reunião de seu painel de elaboração de regras no País de Gales, que ocorre em julho próximo.

Se a Copa do Mundo ocorre, religiosamente, a cada quatro anos, e a Fifa existe para garantir a gestão eficiente do futebol no planeta, por quê não discutiu o assunto antes? Ou não sabiam que a arbitragem erra – argumento ridículo – ou não queriam mesmo usar a tecnologia no futebol. Afinal, baniram até o replay, uma ferramenta elementar para esclarecer lances duvidosos.

Os recursos eletrônicos são muitos. E já provaram sua eficácia em outras modalidades esportivas, como o vôlei e o tênis, por exemplo. Chip na bola que acusaria quando ela cruzasse a linha, direito a pedido de replay em lances decisivos e sensores nas linhas de meta são algumas das possibilidades tecnológicas de ajuda à arbitragem que, lamentavelmente, passam à distância do mais popular dos esportes, por obra e graça da Fifa.

As dimensões e a velocidade da revolução tecnológica que se processou no mundo foram insuficientes para convencer os dirigentes da organização de que os dispositivos eletrônicos servem para auxiliar a arbitragem e não para substituir alguém. Fique claro que ninguém quer um robô apitando jogo.

Basta olhar ao redor para perceber o quanto a tecnologia melhorou o nível dos serviços de maneira geral e, de quebra, a qualidade de vida da população. A segurança ganhou tremendo reforço com o sistema de monitoramento por câmeras de vídeo. No trânsito, os radares eletrônicos viraram necessidade para conter imprudências. A informação trafega com velocidade sem igual pela rede mundial de computadores, onde as pessoas também passaram a interagir muito mais entre si. São exemplos simples do quanto os recursos tecnológicos produzem resultados positivos em diferentes áreas.

A evolução passou a ter um elo umbilical com a tecnologia. Afinal, o conhecimento existe para ser usado. Não há sentido para o desprezo de ferramentas que serviriam para eliminar ou, pelo menos, reduzir os tais erros humanos.

Alguém poderá dizer que o México perderia para a Argentina de qualquer jeito e que a validação de um gol irregular não mudaria o placar final. Ou ainda, que a vitória da Alemanha sobre a Inglaterra seria inevitável, independente de a arbitragem ter ignorado um gol claro dos ingleses. Será mesmo? Que aposte a mão direita quem puder sustentar isto. É óbvio que as injustiças ocorridas em campo afetaram moral e emocionalmente os jogadores prejudicados. Sem mente sã, não há corpo são. Portanto, não havia como evitar a queda do rendimento em campo dos times prejudicados.

Vou mais longe. Os efeitos dos erros da arbitragem extrapolam o gramado para afetar a torcida. Sim, os milhões de jogadores e técnicos que estão fora do campo. Isto ocorre na Copa do Mundo e fora dela também. Aqui no Brasil, muitos dos conflitos entre torcedores – que se transformam em guerras de gangues – são causados ou fomentados por tropeços dos árbitros. Tenho absoluta certeza de que o uso da tecnologia no futebol seria, também, um meio de evitar a violência entre as torcidas.

Por mais que haja exceções – e elas existem –, a maioria absoluta dos árbitros e auxiliares (bandeirinhas) não inventa e nem comete erros intencionais. Há lances, toques e dribles, entre outras jogadas no futebol, inusitados e com rapidez meteórica, que tornam o acompanhamento humanamente impossível.

Daí, a dificuldade de constatação de determinados lances – impedimentos, faltas dentro da área, pênaltis, gols e inúmeras outras passagens duvidosas – que colocam em xeque autoridade, competência e moralidade dos árbitros e auxiliares.

Por conta de falhas humanas previsíveis, surgem manifestações contraditórias. De um lado, torcidas e cartolas de times beneficiados enaltecem a arbitragem. De outro, jogadores e torcedores das equipes prejudicadas destilam sua ira contra quem apitou o jogo e suas respectivas mães. Estas têm os nomes lançados ao fogo eterno do inferno.




Enquanto árbitros e auxiliares que falharam em campo têm suas vidas profissionais ameaçadas, nada acontece aos cartolas e membros das comissões de arbitragem, das Ligas, Federações, Confederações e principalmente aos insensíveis integrantes da Fifa, verdadeiros culpados da situação. Ao invés de tomarem providências para evitar outros erros, preferem lavar as mãos, culpando juízes e assistentes, imolando-os com punições, como suspensões ou até expulsões do quadro.

Essa triste realidade precisa mudar – mudança já é o que prego e, em coro mundial. Assim devemos proceder. Não há mais espaço para argumentos ou justificativas primitivas, improcedentes, inconsequentes e infantis, como a de que a polêmica e a dúvida sobre os lances nutrem a paixão pelo futebol.

Isto não é verdade. Nem no futebol, nem na vida. Como cidadãos de bem, cultuamos nossas atividades e participações no que quer que seja com alegria, com paixão, com emoção, com sofrimento e com amor, mas, acima de tudo, com senso inabalável de Justiça. É ela a base da igualdade, da fraternidade e da liberdade que todos desejamos e de que necessitamos.

Por esses motivos, na condição de torcedor e apaixonado por futebol como milhões de brasileiros, apelo ao bom senso da Fifa. Já passou da hora de seus dirigentes tirarem a redoma de intocáveis para ouvirem também o clamor de quem está fora de campo. Mas, tão dentro quanto qualquer jogador.

Queremos que um time ganhe por mérito e não pelo erro do árbitro. Não adianta a Fifa vir com a ladainha de que vai desenvolver um programa de aperfeiçoamento da arbitragem, sem usar os dispositivos tecnológicos. São seres humanos que apitam os jogos. Logo, continuarão errando. Como reza o ditado popular, “errar é humano”. Mas, cá entre nós, persistir no erro é burrice mesmo. Então, que venha a tecnologia no futebol! Vale o lembrete: “quem não deve, não teme”.

Junji Abe (DEM) é ex-prefeito de Mogi das Cruzes

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