quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Leão perverso

Uma das grandes perversidades tributárias é a defasagem na tabela do IR (Imposto de Renda), que atingiu estrondosos 72,2% no ano passado, considerando o período de 1996 a 2015. Isso significa que os trabalhadores que ganham até R$ 3.250,38 deveriam ficar livres do tributo. Porém, o assalariado que recebe R$ 1.903,99 já paga alíquota de 7,5%, o que representa dedução de R$ 142,80 no seu holerite.

A situação resulta do descompasso entre o aumento do custo de vida e o ajuste da tabela do IR. A inflação acumulada em 20 anos atingiu 260,9%, enquanto a correção realizada pelo governo ficou em 109,6%. O estudo do Sindifisco Nacional (Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal) também mostra que quanto menor o rendimento, maior é o peso do tributo. 

"Quanto menor o rendimento, maior é o peso do tributo" 
Na prática, as garras do Leão são muito mais afiadas sobre a renda de quem ganha menos. Há um grande contingente de trabalhadores, com renda entre 2,5 e 4 salários mínimos, que só paga Imposto de Renda pela falta de correção da tabela. O descompasso vai trazendo pessoas com salários cada vez menores para dentro da base de contribuição. 

A classe média também paga caro pela distorção. Por exemplo, um trabalhador que recebe R$ 5 mil mensais arca com R$ 505,64 de IR. Com a tabela corrigida pelo resíduo inflacionário dos últimos 20 anos, o valor seria de R$ 146,61, uma diferença de 244,88%, suficiente para bancar quase uma cesta básica. Já um trabalhador que recebe R$ 10 mil paga R$ 1.880,64. Com a correção, deveria pagar R$ 1.266,55, uma diferença menor: de 48,49%. 

Diante do déficit das contas públicas, não há previsão de reajuste da tabela do IR de Pessoa Física no Orçamento de 2016. Deixar de fazer a correção depois de a inflação ter sido de 10,67% no ano passado é uma mordida voraz sobre a renda do trabalhador que sofre todas as agruras da recessão econômica. Vale lembrar que o País registra mais de 9,1 milhões de desempregados. Além disso, o IR também mutila boa parte dos rendimentos de aposentados e pensionistas. Há fortes indícios de que o objetivo da equipe econômica é manter as faixas de incidência das alíquotas inalteradas em 2016, o que não ocorre há 12 anos.

Se as peripécias do Leão já são atrozes hoje, as perdas decorrentes da defasagem da tabela do IR tendem a ser agravadas a partir de março, quando diversos dissídios coletivos começam a ser discutidos. A tentativa de reposição do IPCA (10,67%) e do INPC (11,28%) deve elevar a renda de muitas categorias de 8% a 11%. Significa que um batalhão de trabalhadores deve migrar de faixa tributável. Ou seja, muitos contribuintes isentos passarão a ser tributados. 

Não bastassem as contínuas altas de preços no mercado, o governo estuda aumentar as prestações dos beneficiários do Minha Casa Minha Vida. Na última proposta discutida, quem ganha até R$ 800 mensais e paga R$ 25, passaria a desembolsar R$ 80 por mês. Não podemos concordar com a ineficiência e voracidade tributária deste governo, que atinge em cheio os pobres, transformando-os em grandes vítimas. Vem mais. A recriação da malfadada CPMF também agride perversamente as famílias humildes. Junto com o congelamento da tabela de Imposto de Renda, o processo será ainda mais nefasto para as classes menos favorecidas.

Insisto que a mobilização da sociedade o único modo de forçar o governo federal a corrigir a tabela do IR. A correção depende da boa vontade da União em editar uma Medida Provisória ou um projeto de lei. É claro que é impossível conseguir a reposição da totalidade dos resíduos acumulados, mas é fundamental amenizar essa perda. Não é almoço grátis. É apenas justiça. O que não pode persistir é a fome tributária desembestada sobre os rendimentos de quem já doa as tripas para sobreviver à recessão econômica. Quem duvida do quanto o imposto de renda corrói seu rendimento, só tem de checar o holerite. Voz nas ruas porque há um Leão perverso à solta.

Junji Abe é líder rural, foi deputado federal pelo PSD-SP (fev/2011-jan/2015) e prefeito de Mogi das Cruzes (2001-2008)

Crédito da foto: Arquivo/Jovino Souza

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